Israel parece ter primazia de não cumprir decisões que vêm da ONU, diz Lula
RENATO MACHADO
No mês passado, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), principal órgão judiciário da ONU, determinou que Tel Aviv tomasse medidas para evitar ações que pudessem levar ao genocídio do povo palestino, após petição feita pela África do Sul. O tribunal, porém, não determinou cessar-fogo imediato, e Israel manteve sua ofensiva e o cerco ao território palestino. O Brasil apoiou a demanda sul-africana.
Lula declarou, mais uma vez, que “o Brasil condenou de forma veemente a posição do Hamas no ataque a Israel e o sequestro de centenas de pessoas. Chamamos o ato de ato terrorista”. O presidente, no entanto, tornou a condenar a reação de Tel Aviv. “Mas não tem nenhuma explicação o comportamento de Israel, a pretexto de derrotar o Hamas, estar matando mulheres e crianças, coisa jamais vista em qualquer guerra de que tenho conhecimento.”
O presidente cobrou novamente uma reforma do sistema multilateral e de seus órgãos, em especial o Conselho de Segurança. “O que é lamentável é que as instituições multilaterais que foram criadas para ajudar a solucionar esses problemas não funcionam.”
Lula está no Cairo para tratar da guerra Israel-Hamas e da liberação dos brasileiros que ainda se encontram na região.
A conversa ganhou uma nova importância nos últimos dias, com o anúncio de Israel de ampliar suas operações militares na cidade de Rafah, que é a única saída da Faixa de Gaza. A cidade concentra civis, entre eles mulheres e crianças, que fugiram do conflito em outras regiões palestinas.
Lula está em viagem de três dias ao continente africano, onde também vai passar pela Etiópia. O brasileiro foi recebido por Sisi por volta de 11h (6h, no Brasil), em uma grande cerimônia oficial no palácio presidencial do Egito.
Na sequência, os dois passaram para uma reunião bilateral fechada, na qual o conflito em Gaza seria um dos principais assuntos da pauta. Segundo interlocutores, Lula iria inicialmente agradecer ao ditador egípcio por ter auxiliado nas ações de evacuação de brasileiros que estavam na zona de conflito.
Além disso, deveria solicitar apoio para retirar os brasileiros que ainda se encontram na região. Segundo o escritório do Brasil em Ramallah, há atualmente 10 cidadãos com dupla nacionalidade e outros nove familiares deles ou pessoas em processo de imigração.
O Ministério das Relações Exteriores divulgou uma nota na terça-feira (13) na qual afirma que haveria “graves consequências”, se Israel seguisse adiante com seu plano de ampliar as operações militares na região de Rafah.
“O governo brasileiro recebe, com grande preocupação, o recente anúncio, por parte de autoridades israelenses, de preparação de nova operação militar terrestre em Gaza, desta vez no Sul, na região de Rafah, na fronteira com o Egito”, afirma o texto.
“Tal operação, se levada a cabo, terá como graves consequências, além de novas vítimas civis, um novo movimento de deslocamento forçado de centenas de milhares de palestinos, como vem ocorrendo desde o início do conflito”, completa.
Lula e Sisi ainda vão assinar alguns acordos de cooperação, nas áreas de comércio, agricultura e ciência e tecnologia. Também devem anunciar o lançamento de um voo direto do Cairo a São Paulo.
Após o encontro com o ditador egípcio, Lula cumprirá agendas na sede da Liga Árabe, também no Cairo, onde terá um encontro com secretário-geral da organização, Ahmed Gheit. Ele também deve discursar em uma sessão plenária extraordinária, com uma fala em defesa do cessar-fogo, condenando as vítimas civis do conflito, em especial mulheres e crianças, e defendendo um Estado Palestino viável economicamente.
Além da ofensiva de Israel, a chegada de Lula ao Cairo também coincide com negociações em busca de um cessar-fogo que acontece na mesma cidade. Participam do processo Egito, Israel, o grupo terrorista Hamas, Qatar e Estados Unidos.
Mesmo com a presença de Lula na região, o Brasil não deve participar dos esforços para tentar solucionar o conflito no Oriente Médio. No entanto, especialistas avaliam que as falas de Lula, tanto ao lado de Sisi como na Liga Árabe, têm capacidade para ganharem amplitude, por causa do momento.
Antônio Jorge Ramalho, professor do departamento de Relações Internacionais da Unb, afirma que o timing é conveniente para amplificar a mensagem do Brasil, embora a posição brasileira não tenha a capacidade de mudar a conduta de Israel nesse momento.
“A escolha das datas guarda relação com o sentido de urgência para propor cessar-fogo. Veja que não inova em relação ao que o Brasil fez na presidência do Conselho de Segurança da ONU. A situação no terreno agravou-se muito e o Brasil é dos poucos países a propor solução equilibrada. Está certo nisso e guarda relação com a posição histórica da PEB (Política Externa Brasileira)”, afirma.