O GLOBO
SÃO PAULO E RIO — Eleito na onda do antipetismo, sob o discurso da nova política e das pautas de costumes, o presidente Jair Bolsonaro viu seu apoio derreter ao longo dos dois anos e nove meses de governo até mesmo entre os seus eleitores mais fiéis. Dos evangélicos aos “lavajatistas”, O GLOBO ouviu ex-apoiadores do presidente que se dizem arrependidos do voto em Bolsonaro em 2018. Entre as razões para a mudança de posição estão episódios como a demissão de Sergio Moro, a má condução da pandemia da Covid-19 e a piora na economia. O atual presidente, que se elegeu com 55% dos votos contra Fernando Haddad (PT), hoje tem o apoio restrito a 22% da população.

Pesquisa Datafolha divulgada na semana passada mostra que, entre os eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018, 26% agora rejeitam repetir o voto no presidente para a disputa de 2022. O economista Nuno da Costa, de 62 anos, se enquadra neste cenário. Morador do Rio, Costa afirma que, por rejeitar o PT, se viu sem opção no segundo turno das eleições 2018. Hoje, ao assumir que não conhecia direito o então candidato, ele afirma que suas expectativas com Bolsonaro eram os avanços na agenda econômica liberal propagada em campanha, com privatizações e reformas administrativas que considera essenciais para o avanço do país.

Apesar disso, as promessas ainda estão longe de serem concretizadas no Congresso. Na lista prioritária do Ministério da Economia estão projetos como o Orçamento de 2022, o Auxílio Brasil, a PEC dos Precatórios e as reformas administrativa e tributária, consideradas fundamentais pela equipe do ministro Paulo Guedes, mas sem consenso entre os parlamentares.

— Bolsonaro se posicionava como alguém antissistema, mas vejo hoje que é uma pessoa muito desequilibrada, completamente despreparada. A maioria das reformas foi desidratada, não houve articulação política eficiente para viabilizá-las. Simplificação de tributos, campanha de privatizações, inflação em alta, assim como o déficit primário, o tal choque liberal de Paulo Guedes nunca chegou. Eles não cumpriram praticamente nada, considero um verdadeiro desastre e não voto novamente — afirma Costa.

A alta do dólar, juros e inflação passaram também a impactar diretamente no custo de vida de brasileiros como o gaúcho Cleiton Araújo, de 37 anos. Pedreiro desempregado, depositou seu voto em Bolsonaro com a esperança de avanços na economia real, que envolve itens e serviços básicos do dia a dia, e nos direitos sociais, para proteção da população mais vulnerável e mais atingida pela fome e a pobreza, especialmente durante a pandemia.

 

Outro grupo que desembarcou do governo foi o da pauta anticorrupção, promessa de campanha de Bolsonaro que teve como maior expressão a indicação de Sergio Moro como ministro da Justiça. Mas se a ida do ex-juiz da Lava-Jato para o governo foi considerada um trunfo político, sua demissão, em abril de 2020, sob denúncias de que Bolsonaro teria tentado interferir na Polícia Federal (PF), trouxe prejuízos à avaliação do presidente. No final daquele mês, 38% consideravam o governo “ruim ou péssimo”. Em maio, o número subiu para 43%.

A dentista Simone Santos Silva, paulista, de 49 anos, diz que já havia “acendido a luz amarela” após desrespeito à lista tríplice com a indicação de Augusto Aras à Procuradoria-Geral da República (PGR).

— Fiquei muito desconfiada (com a indicação do Aras), mas a gota d’água foi a saída do Moro. Daí vi que era tudo mentira. Dali em diante o combate à corrupção já era. Teríamos só retrocessos. E é o que vem acontecendo — conta Simone, que é a favor do impeachment e participa da campanha “Fora, Bolsonaro!”.

Servidor público na área da educação, o carioca Renan Rocha, de 38 anos, também lamenta o desembarque de Moro do governo e avalia que Bolsonaro “criou adversários para desgastar as relações” com o ex-juiz, em quem enxergava a chance de avanço no combate à corrupção.

Para Rocha, ataques de Bolsonaro a funcionários de carreira representaram o primeiro alerta contra o presidente que ajudou a eleger. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 32) da reforma administrativa, enviada pelo governo e que tramita na Câmara, busca alterar diversas regras para os funcionalismo público, entre elas o fim da estabilidade, extinção de promoções automáticas e outros benefícios.

As decepções de Rocha convergem para as suspeitas de irregularidades na compra de vacinas levantadas pela CPI da Covid no Senado. Um dos casos, envolvendo pressões atípicas e preços acima da média no contrato de aquisição do imunizante indiano Covaxin, por intermédio da empresa Precisa, que teria conexões com o governo, veio à tona através da denúncia de Luis Ricardo Miranda, servidor de carreira do Ministério da Saúde. Ainda neste caso, a PGR investiga se Bolsonaro cometeu crime de prevaricação, por supostamente ter deixado de acionar a PF para apurar denúncias trazidas pelo próprio Luis Ricardo e por seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF).
— Eu acreditava muito na pauta anticorrupção apresentada por Bolsonaro, de que ele iria mudar o país. A CPI da Covid também escancarou as negociatas por vacinas, pedido de propina, tudo que ele disse ser contra em campanha. É um mentiroso, não voto nele de novo de maneira alguma.

Doutora em Antropologia, Isabela Kalil afirma que, na pandemia, Bolsonaro deixou de mirar no chamado “cidadão de bem”. O público foi a base de sustentação na campanha de 2018 e mobiliza pautas ligadas ao tema da corrupção — nos sentidos monetário e moral, em relação a discussões de gênero e sexualidade.

— Bolsonaro passou a apelar para uma noção diferente do cidadão de bem, que é a do patriota. Esse perfil forma sua base mais radical e fiel com reivindicações antidemocráticas. A partir de uma lógica bélica, esse patriota entende que a pandemia é uma situação de guerra, mas não contra o vírus necessariamente, e sim as medidas consideradas autoritárias dos governadores — disse a especialista, que é professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

O designer gráfico Antonio Prado, de 53 anos, morador de São Paulo, diz ter abdicado do apoio ao presidente em março de 2020, quando Bolsonaro chamou o coronavírus de “gripezinha” em pronunciamento em rede nacional. Antes disso, Prado dizia fazer parte do grupo que via os ataques ao presidente como “perseguição”.
— O pronunciamento foi o ponto de inflexão. Aquilo me deixou assustado e eu já não poderia apoiá-lo por uma questão moral. Depois, as coisas foram piorando, comecei a perceber que ele queria sabotar todas as medidas sanitárias, até a compra da vacina — afirma.

A analista de documentos Soraya Santos Farias, santista, de 63 anos, também diz que o jeito “grosso” e “radical” do presidente, que ela acreditava ser uma postura apenas de campanha, contribuiu para mudar de posição.

— Foi uma grande virada de chave o jeito como ele trata as pessoas. Não tem ética de gestor, não sabe conversar. É uma pessoa radical, para quem é tudo ou nada.

“Desleal” com base fiel

Pesquisas recentes apontam que Bolsonaro tem perdido apoio até mesmo entre os eleitores considerados mais “radicais” ou alinhados a pautas conservadoras encampadas pelo presidente. O pastor Jonas Reis, de 49 anos, diz que se considerava bolsonarista até o começo deste mês. Morador de Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio, ele afirma que a gota d’água foi o recuo depois das manifestações de 7 de Setembro, organizadas com o apoio de líderes evangélicos, quando chamou o ministro do STF Alexandre de Moraes de “canalha”. No dia seguinte, em carta articulada pelo ex-presidente Michel Temer, Bolsonaro voltou atrás em ataques aos Poderes e chegou a citar qualidades de “jurista e professor” de Moraes.