BRASÍLIA — A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou nesta quarta-feira que não vai mais exigir que farmacêuticas tenham que desenvolver estudos de fase 3 no Brasil para solicitar autorização emergencial de uso de suas vacinas contra a Covid-19 no país. Assim, laboratórios que tenham testes clínicos no exterior, mas não no Brasil, também poderão submeter o pedido à Anvisa. No caso de estudos conduzidos no exterior, os laboratórios deverão acompanhar por um ano os pacientes envolvidos no ensaio. Isso facilita a aprovação de outras vacinas, como a russa Sputnik V.

Após o anúncio da flexibilização do protocolo da Anvisa, o governo federal anunciou negociações para a compra de 30 milhões de doses da Sputnik e da indiana Covaxin.

Atualmente, no Brasil, estão sendo aplicadas apenas a CoronaVac (feita em uma parceira do Instituto Butantan com a farmacêutica chinesa Sinovac) e a vacina da AstraZeneca/Oxford, feita em parceria com a Fiocruz.

— Quando a gente teve oportunidade de falar no domingo que autorizamos as duas vacinas (CoronaVac e a da AstraZeneca, aprovadas em 17 de janeiro), tivemos oportunidade de mostrar que o acompanhamento dos dados com as empresas começou no meio do ano passado. Tudo isso fez com que a gente pudesse estabelecer prazo de até 10 dias. Quando a gente está recebenedo uma vacina que não tivemos acesso aos dados, esse prazo se torna muito mais desafiador, e é por isso que colocamos até 30 dias — afirmou Gustavo Mendes, gerente-geral de Medicamentos.

A mudança acontece um dia após a eficácia de 91,6% da vacina Sputnik V ser publicada na revista científica Lancet. A União Química, laboratório responsável pela vacina russa no Brasil, tem dois processos em aberto na Anvisa, um para a submissão do dossiê de desenvolvimento vacinal e aval para início dos estudos de fase 3; e outro no qual pede autorização emergencial de uso do imunizante.

De acordo com a diretora Meiruze Freitas, responsável pela área de vacinas dentro da Anvisa, a atualização “faz parte da estratégia regulatória do Brasil de favorecer acesso” e está “apartada de qualquer discussão que seja fora do âmbito técnico”. Segundo ela, a mudança ocorre “para que o Brasil garanta que tenha acesso a vacinas com qualidade, eficácia e segurança”.

Ela disse ainda que a decisão “nada tem a ver com a publicação da Lancet” e que trata-se de uma “coincidência”, uma vez que o “processo já vem sendo discutido há mais tempo”. Freitas afirmou também que a alteração não foi um pleito da União Química.

— A gente incentiva que todos estudos sejam publicados em revistas científicas indexadas, de referência, que tenham revisão de pares. Isso é muito importante para transparência — disse ela, ponderando que, apesar de positivo, a publicação não é necessária para que a Anvisa  aprove uma vacina, uma vez que a agência “avalia outros dados além dos avaliados no artigo científico”.

A farmacêutica União Química ainda tinha vários entraves no processo para conseguir a liberação dos estudos clínicos no Brasil e consequentemente dar andamento na solicitação de autorização emergencial de uso.

Ontem, após a Anvisa afirmar que o imunizante cujos dados foram publicados é diferente daquele submetido às autoridades brasileiras, a União Química informou à agência que a vacina cuja autorização emergencial a empresa tenta obter no Brasil tem o mesmo padrão do imunizante que teve eficácia de 91,6% comprovada.

Em entrevista ao GLOBO, na terça, o diretor de assuntos internacionais da União Química, Rogério Rosso, afirmou que a publicação na Lancet “dizima” a necessidade de prestar mais informações sobre a segurança e eficiência da vacina à Anvisa.

—  Se existia a necessidade de uma publicação, ela foi publicada. O que a gente aguarda da nossa agência regulatória que a gente confia bastante é que tenhamos nos próximos dias, horas, o posicionamento favorável para autorização do uso emergencial — disse Rosso.

O GLOBO mostrou na semana passada que a farmacêutica tem demorado a responder solicitações de informação por parte da Anvisa e, até o momento, não prestou informações consideradas cruciais pela agência. No comunicado desta terça, a Anvisa voltou a destacar essas pendências. Entre os documentos, a União Química precisa fornecer relatórios de estudos clínicos da vacina que incluam dados sobre fase 3 que demonstrem ao menos 50% de eficácia.