ANTÔNIO JOÃO: O HOMEM QUE AMAVA ORQUÍDEAS E CACHORRINHOS

Antônio João Hugo Rodrigues

Dante Filho

Como todos nós, Antônio João Hugo Rodrigues era um homem de sombra e luz. Seu falecimento nesta terça-feira, 19 de setembro de 2023, é o assunto de hoje em Mato Grosso do Sul. Ele era amado e odiado. Um personagem de várias facetas. Tinha quase nenhum amigo verdadeiro. Sua irritabilidade, grosseria, prepotência, não permitia aproximações cordiais. Mas ele amava orquídeas, cachorros e crianças (não teve filhos e isso foi um problema em sua vida) e era amado loucamente pelas suas mulheres – todas bonitas, fortes, classudas – o que contrastava com sua feiura, maus modos e mandonismo.
Trabalhei por quase 7 anos com AJ. Peguei a fase em que ele havia decidido se reinventar e se transformar num agente político. Ele sempre havido sido instrumento de interesses do Poder e, logo após o falecimento de seu pai, o vetusto Velho Barbosa, ele resolveu que o império da mídia que representava trabalharia em prol de seu nome e de suas ambições políticas e partidárias (todas fracassadas). Sonhava em ser prefeito de Campo Grande – cidade que ele amava e defendia acima de muitas outras coisas.
Como jornalista, Antônio João tinha faro acurado para levantar bandeiras e galvanizar a opinião pública. Não escrevia bem, tinha cultura mediana, era um homem de direita, anti-intelectual, enfim, um provinciano de pensamentos rasos que se esforçava para ter algum lustro, embora gostasse de bossa nova, jazz, ópera e música regional.
Era um homem generoso e correto. Com seus jornalistas, sempre mantinha a palavra, era objetivo, verdadeiro, e nunca se metia em fofocas de redação.
Minha relação com ele era próxima, profissionalmente, e distante, pessoalmente. Nunca cultivamos amizade. Havia períodos em que conversávamos todos os dias (era editorialista do jornal e recebia muitas vezes orientação direta sobre o que escrever). Lembro que essa conversas em sua sala eram-me insuportáveis porque ele fumava muito, sem parar, e assim, depois que eu saia, era obrigado a tomar banho e trocar de roupa.
Era evidente que ele não gostava de mim. Meus assuntos não combinavam com o seus. Sua corrente de puxa-sacos era um serpentário que não permitia que AJ se aproximasse de um jornalista como eu, daí as intrigas, pegadinhas, puxões de tapete, maledicências, maldades puras. Eu compreendia isso porque o factótum do Correio do Estado representava o poder e isso, por extensão, representava uma maneira de ganhar dinheiro e prestígio por fora.
Neste aspecto, AJ era uma homem ingênuo. Gostava de acreditar em picaretas. Tinha até afeição por eles. Por isso, talvez, errasse tanto, nunca acertou em suas avaliações políticas, perdeu muito dinheiro por burrice, que, no acumular dos anos, o fez mergulhar em decadência, sobretudo depois de entrar em confronto com setores do Judiciário.
Ao mesmo tempo, o empresário Antônio João era um empreendedor arrojado, modernizou o Grupo Correio do Estado, implantou novas tecnologias nas suas emissoras de rádio e TV, apostava em bons profissionais, mas distraiu-se na virada das redes digitais, acreditando que o jornal (ponta de lança de sua empresas) era infenso às mudanças, e que internet era uma onda passageira.
Dentre as várias versões deste homem complexo e esquisito aos olhos de muitos, havia um menino inseguro, que transitava entre a imagem pública (odiada) e a persona privada agradável, com surtos de onipotência, que sonhava em ser alto, bonito, ter cabelos e emagrecer.
No campo de seus negócios obscuros, no qual muita gente o comparava com o capo Assis Chateaubriand de Mato Grosso do Sul, posso dizer muito pouco, mas creio que existe muito mais lenda do que realidade. AJ era um homem comum com dinheiro e oportunidade. Por isso, era vaidoso e arrogante. E ao mesmo tempo era capaz de gestos de profunda humanidade, surpreendendo a todos com os quais convivia.
Acho que no seu término, o melhor que ele fez foi submergir. Depois da pandemia e da última eleição ele foi aos poucos desaparecendo, se afastando, abandonou as redes sociais. Foi bolsonarista radical e antipetista ferrenho. Mais uma vez, fez a aposta errada. Mas essas eram suas convicções.
No dia em que ele sofreu o infarto fui o primeiro jornalista a receber a informação. Minha fonte afirmou que ele era inoperável e não resistiria 48 horas. Dei uma nota no facebook e fiz uma viagem pelo passado, lembrando dos velhos tempos em que trabalhei no Correio e tive Antônio João no meu encalço.
Depois disso, tivemos uma ou duas brigas infantis na Padaria Pão & Tal (lugar que ele frequentava todos os dias) e nunca mais.
Mesmo sabendo que sua vida seria breve (de quem não é?) no início desta semana, conclui que ele a viveu muitíssimo bem. Acho que vai ficar para a história. Não sei ainda qual legado deixará. Mas sua personagem é inspiradora. Para o bem e para o mal.
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