Militares se preparam para conta da crise energética após vexame na Saúde
A fatura da inevitável associação entre o estamento fardado brasileiro e o governo de Jair Bolsonaro tem um novo e vistoso item em formação: o da crise hídrica, que já aumentou a conta de eletricidade e ameaça tornar-se energética até o fim do ano.
O palavrão apagão é dito cada vez com mais frequência em conversas com oficiais-generais das três Forças. O motivo é óbvio: o Ministério das Minas e Energia é comandado por um almirante-de-esquadra, topo da hierarquia, que até há pouco era do serviço ativo.
Bento Albuquerque tende a ser visto com condescendência por seus pares, especialmente aqueles de sua Força de origem. Para esses marinheiros, o ministro é tolhido por Bolsonaro em suas iniciativas preventivas porque o presidente não quer ouvir falar da palavra proibida.
Apagão, afinal, foi um mais profundos pregos do caixão da continuidade na campanha presidencial de 2002, quando José Serra (PSDB) carregou o fracasso energético de Fernando Henrique Cardoso no ano anterior.
Já outros oficiais, particularmente do Exército, são críticos da atuação de Albuquerque, embora eles tenham pouca moral para exercer o julgamento dado que Eduardo Pazuello é um dos seus.
General da ativa, Pazuello entrou para a história por sua miserável gestão como ministro da Saúde durante a pandemia da Covid-19.
O preço que a debacle deixada pelo militar cobra em imagem das Forças Armadas é tema de qualquer debate entre os altos escalões fardados, ainda que mea culpa seja artigo raro neles.
Na última terça-feira (31), Albuquerque foi enfim à TV para dizer que há uma grave crise. A bandeira tarifária foi elevada e haverá um aumento incontornável na despesa doméstica com energia. Isso num país com a economia ainda a sobressaltos.
Durante os anos após o fim da ditadura de 1964, encerrada em 1985, os militares brasileiros promoveram um trabalho de recolhimento aos quartéis, sendo usados apenas pontualmente para funções não afeitas à sua especialização primordial.
Ao mesmo tempo, alimentaram uma fama de bons administradores, algo que foi amplificado justamente num dos governos que hoje mais abominam, o de Dilma Rousseff (PT), devido à Comissão da Verdade que só investigou os crimes da ditadura, e não os da luta armada, como havia sido pactuado.
No cargo, a presidente impedida em 2016 não cansava de elogiar a eficácia fardada.
A aproximação da candidatura de Bolsonaro, ocorrida na sequência do episódio fulcral do tuíte do então comandante do Exército pressionando o Supremo Tribunal Federal a não impedir a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mudou o jogo.
Como é história agora, os fardados forneceram quadros, a maioria da reserva, mas alguns da ativa, na esperança de apoiar Bolsonaro e controlar seu radicalismo. Ou, por outro prisma, dominar um marionete.
Foi obviamente desastroso, em especial com a instalação da peste no Brasil no começo de 2020. A resposta errática e negacionista do presidente não encontrou eco no serviço ativo, mas o pessoal fardado na Esplanada cerrou fileiras com o chefe, até pela quantidade de benesses auferidas pela classe.
Para o público em geral, contudo, não há tal distinção. General é general, da reserva ou da ativa. A cada arroubo autoritário de Bolsonaro, a primeira pergunta que o mundo político se fazia era sobre o ânimo de quem detém o monopólio da força acerca daquilo.
Essa é uma ladeira que está na descendente até hoje, com a crise institucional provocada por Bolsonaro em nome de uma reação ao Supremo por querer colocar freios à sua intentona autoritária, cuja próxima efeméride é o ora infame 7 de Setembro.
Complicando a equação, houve o desastre comandado por Pazuello na Saúde. Aboletado num cargo no Planalto, o general é alvo de 10 entre 10 queixas no Alto-Comando do Exército pelo dano que provocou à Força.
Por óbvio, nessa admoestação fica de fora a responsabilidade dos fardados por terem topado a associação com uma figura como Bolsonaro.
Essa fatura é só deles, o que é admitido por apenas alguns dos integrantes das cúpulas das Forças, demonstrando os desafios políticos colocados à frente em 2022.
Mas o dano está dado, e a probabilidade de Albuquerque presidir um apagão, ou um surto inflacionário decorrente de medidas para mitigar a crise, apavora observadores no meio militar.