Paciente tem remissão total de câncer com terapia inovadora em SP

Células do sistema imune modificadas conseguem reverter até metade dos casos de alguns tipos da doença, segundo estudos

Exames mostram antes e depois de câncer de paciente; à direita, imagem mostra remissão da doença – Arquivo pessoal
ANA BOTALLO
FOLHA DE S.PAULO
SÃO PAULO – Um paciente em tratamento contra câncer há 13 anos apresentou remissão total do tumor após fazer parte de estudo com terapia inovadora conhecida como células CAR-T.

O resultado positivo foi confirmado neste domingo (28), quando ele recebeu alta do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) em São Paulo.

Paulo Peregrino, 61, já havia tentado as terapias convencionais, como quimioterapia e cirurgia para remoção do tumor, mas não tinha conseguido se livrar da doença, um linfoma não Hodgkin, cujo diagnóstico veio em 2018, cerca de oito anos após detectar um câncer de próstata.

Como não houve regressão do câncer, o paciente iniciaria cuidados paliativos quando foi admitido no Centro de Terapia Celular, no HC, para o chamado uso compassivo. Essa prática é adotada quando não há nenhuma outra abordagem possível e utilizam-se terapias ainda em estudo para tentar salvar a vida do paciente.

“O que foi extremamente animador é que vimos uma resposta positiva em apenas um mês em um paciente que já chegou muito debilitado no centro, com o câncer bem avançado, queixa de dor intensa e baixo índice de plaquetas, indicando que estava com a saúde bem afetada”, explica o hematologista Vanderson Rocha, professor de terapia celular na Faculdade de Medicina da USP e coordenador nacional de terapia celular da Rede D’Or. Ele cuidou do caso de Peregrino no centro.

Paciente tem remissão total do câncer após terapia com células CAR-T modificadas no Centro de Terapia Celular em São Paulo; à esquerda, o médico Vanderson Rocha, responsável pelo procedimento, e à direita, Paulo Peregrino, paciente em tratamento contra linfoma não Hodgkin
Paciente tem remissão total do câncer após terapia com células CAR-T modificadas no Centro de Terapia Celular em São Paulo; à esquerda, o médico Vanderson Rocha, responsável pelo procedimento, e à direita, Paulo Peregrino, paciente em tratamento contra linfoma não Hodgkin – Arquivo pessoal

As células CAR-T são células do sistema imune (conhecidas como linfócitos T) extraídas do paciente e geneticamente modificadas para reconhecer e atacar as células tumorais. Elas são então reintroduzidas no paciente e se tornam mais eficazes em identificar o foco de câncer e atacá-lo.

terapia tem obtido sucesso no tratamento de alguns tipos de câncer do sistema sanguíneo, linfomas e leucemias, mas não há comprovação de eficácia contra tumores sólidos. Nesses casos, as quimioterapias, radioterapias ou tratamentos como imunoterapia tendem a surtir mais efeito.

“É preciso acompanhar agora por um período de até cinco anos para confirmar se houve a ‘cura’ do câncer, mas, em estudos desenvolvidos nos Estados Unidos, em torno de 50% dos pacientes de linfoma são curados com CAR-T”, disse.

Todo o processo, diz Rocha, levou cerca de quatro meses, sendo três para a coleta das células, aprovação e liberação da técnica pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pelo Conep (Comitê Nacional de Ética em Pesquisa).

O Nutera (Núcleo de Terapia Avançada) tem dois centros, um em São Paulo, inaugurado no último ano, e outro em Ribeirão Preto (SP). O centro foi construído com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado ao MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), e conta com pesquisadores da USP e do Instituto Butantan.

Atualmente, a terapia CAR-T só tem autorização da Anvisa de paciente a paciente, ou seja, na forma de uso compassivo quando não há mais nenhum método disponível. Ela também é utilizada principalmente no tratamento de leucemias do tipo B, linfomas (como o linfoma não Hodgkin) e mieloma múltiplo, um tipo de câncer sanguíneo.

Em 2019 houve o primeiro paciente tratado, um homem de 62 anos, também com linfoma não Hodgkin, porém ele acabou sofrendo uma queda e morreu em decorrência do traumatismo craniano.

Um segundo paciente, o primeiro tratado no HC, também apresentou remissão da leucemia linfoblástica do tipo B. “Já foram tratados 13 pacientes, sendo esses dois em São Paulo, e os resultados até agora foram muito promissores. São pacientes com a saúde muito debilitada e estágio avançado de câncer”, afirma Rocha.

O custo desta terapia, no entanto, é elevado, chegando a R$ 2 milhões por paciente pelo valor de mercado. “A possibilidade de produzir as células CAR-T em um instituto de pesquisa pública em São Paulo irá com certeza oferecer uma técnica inovadora de combate ao câncer, disponível para toda a população brasileira de forma gratuita pelo SUS [Sistema Único de Saúde]”, afirma Rocha, que espera que o suporte financeiro continue.

Esper Kallás, infectologista e diretor do Instituto Butantan, reforçou que a presença de um centro inovador como esse põe o Brasil em uma posição de destaque. “Tecnologias como essa, que vêm sendo chamadas de ‘disruptivas’ ou inovadoras, colocam o nosso país como um grande produtor desse tipo de terapia e podem ser central para o avanço biotecnológico brasileiro.”

Segundo ele, um estudo clínico combinado de fase 1/2 deve começar até o final do ano com 75 pacientes. A principal dificuldade em prosseguir com pesquisas desse tipo é o alto custo do estudo clínico e depois o gargalo na produção em escala. “Felizmente, temos aqui em São Paulo um centro de produção de terapia celular que produzirá em larga escala essas células”, afirmou.

Atualmente, grandes indústrias farmacêuticas, principalmente as americanas Gilead Sciences e Janssen (braço farmacêutico da Johnson & Johnson), têm em seu portfólio os chamados “CAR-T de prateleira”, isto é, células CAR-T de doadores modificadas e que podem ser aplicadas a qualquer paciente, mas os custos são muito altos, sem contar o risco de não ter compatibilidade.

O investimento previsto para essa fase de pesquisa é de R$ 60 mi, mas espera-se que a economia seja de mais de R$ 140 mi para o sistema de saúde em relação ao preço do medicamento no mercado privado.

“O principal destaque dessa pesquisa é que sai da trava da grande indústria, que transformou o valor desses produtos em custos exorbitantes. Não podemos depender 100% da cadeia de suprimento estrangeiro, precisamos procurar soluções nacionais”, disse o diretor do instituto.

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