Eles deixaram uma carreira no mercado de grãos para investir em ovos orgânicos

Rede de fornecedores tem MST e pequenos produtores; Raiar mira potencial de crescimento e experiências estrangeiras

Mulher veste uma roupa branca e trabalha diante de uma esteira, onde monta as caixas de ovos

Esteira para embalagem de ovos na Raiar Orgânico em Avaré; os ovos são carimbados um a um antes de ir para a caixa – Divulgação
FERNANDA BRIGATTI
FOLHA DE S.PAULO
SÃO PAULO

Eles querem ser gigantes na produção de ovos orgânicos e, para isso, tentam mexer numa cadeia que, hoje, ainda está baseada em grãos transgênicos, uso de agrotóxicos e, no caso das granjas, de uma rede desestruturada e de baixo nível de governança.

Com um ano de prateleira, os ovos da Raiar Orgânicos já ocupam o segundo lugar no mercado nacional, atrás apenas da Fazenda da Toca, que é a maior da América Latina. A posição, porém, diz pouco sobre os planos da companhia, conta o CEO e cofundador Marco Menoita.

“Nesse ritmo, a gente deve ser o maior do Brasil já a partir do ano que vem”, afirma. “Mas isso não quer dizer nada, é um troféu que não vale nada. A mensagem por trás dele é importante, que é o ganho de escala. Quanto mais escala, mais competitivo é o nosso ovo e mais acessível ele é para todo mundo.”

O ponto de partida do negócio veio da observação de dois movimentos. Um, puxado pelo consumidor, cada vez mais preocupado com o impacto do que compra e também mais confortável para comer ovos, alimento que deixou o posto de vilão do colesterol.

O outro vem do campo, do que o também cofundador Luis Barbieri considera ser o esgotamento do modelo da revolução verde (termo usado para referir-se às técnicas e inovações que permitiram ganhos de produtividade).

“Aos poucos, os pequenos, médios e grandes produtores vão percebendo que o uso intensivo de agrotóxicos e de fertilizantes químicos vai esgotando a vida no solo”, diz. “A saúde da agricultura passa por recompor a vida, a microbiologia do solo. Passa por uma agricultura orgânica e regenerativa.”

Barbieri e os sócios conhecem bem o agronegócio e o mercado de grãos. Ele trabalhou 20 anos no setor, 16 dos quais para Louis Dreyfus, gigante de origem francesa que atua com processamento e negociação de grãos.

Menoita fundou a NovaAgri, outra importante negociadora do setor agrícola, de onde também veio Leandro Almeida, diretor de operações da Raiar, e o terceiro na trinca de fundadores.

Eles sabiam, portanto, que antes dos ovos e mesmo das galinhas, precisariam cuidar do milho usado na ração. Na produção de ovos, 80% do custo vêm dos grãos.

As visitas a produtores começaram em 2019, antes mesmo de a fazenda onde estão aviários, fábrica de ração e sala de ovos ser comprada. A unidade produtiva da Raiar está em Avaré, a 236 quilômetros de São Paulo.

Em um raio de 200 quilômetros da propriedade, diz Barbieiri, estão cerca de 90% dos grãos produzidos em São Paulo. Essa região é marcada também por muitas pequenas propriedades, de cerca de 50 hectares, e com pouca aptidão produtiva, com pastagens degradadas.

Nos arredores, além desses pequenos produtores, há também muitos assentamentos de reforma agrária. Um desses vizinhos é o assentamento Santa Adelaide, criado no fim dos anos 1980. Segundo o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), a parceria com a Raiar para a produção de grãos orgânicos já está no terceiro ano e vem de diversas regiões do estado.

Ao todo, são 70 fornecedores de milho orgânico, entre assentados da reforma agrária e outros pequenos produtores, que estão organizados em uma rede batizada de Folio. Articulada pela Raiar, a fundação sem fins lucrativos quer facilitar a produção de conhecimento e sensibilização para o segmento, colocando universidades, indústrias de insumos e produtores de sementes em contato.

Para estimular a adoção do plantio orgânico, a Raiar ajuda na identificação das melhores sementes —que não podem ser transgênicas, mas sim fruto de melhoramento, por exemplo—, dos melhores tipos de bioinsumo, fornece e treina a assistência técnica e faz todo o meio de campo para que o produtor consiga a certificação orgânica.

Três homens brancos seguram galinhas dentro de um aviário
Os cofundadores da Raiar Orgânicos, Leandro Almeida, Marco Menoita e Luis Barbieri; eles fizeram carreira em importantes negociadoras do mercado convencional – Divulgação

A troca de um plantio convencional para o orgânico não é um processo banal. Há um tempo de desintoxicação do solo que pode chegar a três anos, período em que há uma queda na produtividade. Para as receitas do produtor rural, isso tende a ser compensado pelo prêmio do orgânico, que paga 30% mais do que as culturas comuns, mas, ainda assim, nas propriedades com milho para a Raiar, a proposta da empresa é usar inicialmente apenas parte da produção.

“A gente tem que ser muito responsável com esse processo para não colocar nem o indivíduo em risco, nem a causa em risco”, diz Barbieri.

O resultado do primeiro ano de ovos à venda foi positivo. Com o primeiro ciclo concluído, foi possível mostrar que os indicadores são viáveis. Os ovos da companhia estão nas principais plataformas digitais, nas redes de varejos, em hortifrutis de bairro, e chegam até a casa de assinantes que recebem as caixas de ovos de maneira recorrente.

Até agora, o investimento no complexo em Avaré foi de cerca de R$ 200 milhões. Além dos sócios, 31 investidores privados colocaram dinheiro no negócio, e uma nova rodada deve acontecer até o fim deste ano.

Atualmente, vivem na granja da Raiar 120 mil galinhas produtivas. O ritmo de vendas do primeiro ano torna possível, segundo Menoita, dobrar a produção para voltar a crescer.

Com o novo investimento, a empresa espera passar a 400 mil galinhas em até três anos, e chegar a 700 mil nos dois anos seguintes. A rede de produtores de milho orgânico já conseguirá atender a esse volume, mas a demanda ainda precisa responder à altura.

Para um futuro mais longínquo, a Raiar se posiciona como uma companhia de proteínas orgânicas, com a possibilidade de ir além dos ovos. Para o futuro mais próximo, os sócios apostam no potencial de crescimento do mercado de ovos orgânicos, que no Brasil não passa de 0,5%.

Na Europa, esse mercado já abocanha uma fatia de 20%, e ovos de galinhas em gaiolas já são proibidos. Nos Estados Unidos, é de 8% a fatia dos ovos orgânicos, onde cresce também o consumo de frango orgânico. No Brasil, além do volume baixíssimo desse tipo de ovo, a maioria, cerca de 95% segundo a Raiar, vem de gaiola.

galinhas têm acesso ao pasto
Na produção orgânica, além da alimentação sem transgênicos, as galinhas têm acesso ao pasto – Divulgação

A experiência europeia indica que a mudança é lenta, mas vai no sentido de rejeitar, progressivamente, o ovo da galinha confinada e tratada com antibióticos. “Isso está mudando em muitos lugares do mundo e no Brasil está no começo”, diz Barbieri.

Para o CEO da Raiar, a empresa sai na frente ao identificar uma “onda transformacional” de uma cadeia longa de produção. Essa onda, aposta Menoita, vai chegar ao agronegócio tradicional em pouco tempo. Se não pelos valores, pela necessidade.

“Não é por ser orgânico. Vários fazendeiros super bons estão olhando para o solo e vendo que não vai dar para continuar assim, as pragas já não estão mais morrendo”, afirma. Na avaliação dele, o apelo será econômico, mas também de sobrevivência.

Compartilhe
Notícias Relacionadas
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    Sites Profissionais
    Informe seus dados de login para acessar sua conta