Apenas uma em cada 3 vacinas de HPV foi aplicada no estado de SP; governo local vetou campanha de incentivo à imunização
José Cruz/Agência Brasil
Eliane Gonçalves/Rádio Nacional)
Flávia Albuquerque/Agência Brasil
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo recebeu do Ministério da Saúde, em 2023, 1,06 milhão de doses de vacina contra o HPV. Desse total, foram aplicadas, até maio, 315.703 doses. O número corresponde a um terço do estoque de vacinas à disposição do estado. Entre a população prioritária, meninos e meninas de 9 a 14 anos, foram aplicadas 299.658 doses da vacina quadrivalente contra o HPV. Os números estão disponíveis no DataSUS. A secretaria de saúde confirmou que esses são os dados mais recentes.
Segundo o Programa Nacional de Imunização (PNI), para alcançar a imunidade são necessárias duas doses da vacina. A meta é ter pelo menos 80% das crianças e adolescentes entre 9 e 14 anos, em todo o país, com o esquema vacinal completo. Segundo o governo de São Paulo, no acumulado dos últimos seis anos, 59,6% das meninas entre 9 e 14 anos; e 39,2% dos meninos tomaram as duas doses da vacina.
Não existe um dado de cobertura vacinal contra o HPV ano a ano. Mas levando em conta apenas as crianças com 9 anos, quando se inicia o esquema de imunização, 17,84% das meninas e menos de 11% (10,66%) dos meninos tinham tomado a primeira dose da vacina, em 2023. Mesmo que o estado consiga repetir o mesmo desempenho do ano passado, pouco mais da metade das meninas terão começado o esquema vacinal. Em 2022, 55,43% das meninas e 12,87% dos meninos com 9 anos tomaram a primeira dose da vacina.
A vacina quadrivalente previne a infecção por quatro tipos de HPV, incluindo os tipos 16 e 18, que respondem por 70% dos casos de câncer do colo de útero no mundo, 90% dos casos de câncer de ânus e 60% dos cânceres de vagina. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), só em 2023, São Paulo deve registrar 2,5 mil novos casos de câncer de colo de útero. Esse tipo de câncer é a terceira causa de morte prematuras de mulheres no país.
Veto à campanha
No dia 15 de setembro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, vetou um Projeto de Lei (PL) que previa levar a vacinação de crianças e adolescentes contra o vírus, uma vez ao ano, para dentro das escolas. O PL Nº 134/2022, de autoria das deputadas estaduais Marina Helou (Rede), Edna Macedo (Republicanos) e Delegada Graciela (PL), além da agora ex-deputada Patrícia Gama, incluía quatro eixos de atuação: conscientização, imunização, diagnóstico e tratamento. A Assembleia Legislativa aprovou o projeto no dia 8 de agosto.
A proposta determinava a criação de um calendário estadual de vacinação do vírus HPV, que se iniciaria em março de cada ano, garantindo o direito à vacinação do HPV preferencialmente nas escolas do estado de São Paulo no mês de março.
Na justificativa do veto, o governador alegou que a secretaria da Saúde considerou dispensável a aprovação do projeto por já existirem políticas públicas em execução na área. Entre outros pontos, ele argumentou que a vacina contra o HPV está inserida no Calendário Nacional de Vacinação e que a Coordenadoria de Controle de Doenças já promove campanhas de esclarecimento.
Vacinação nas escolas
Para Mônica Levi, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), São Paulo perdeu a oportunidade de colaborar com um dos pilares da vacinação para adolescentes. “Em todos os programas de Saúde Pública exitosos do mundo, a vacinação escolar [contra o HPV] foi fundamental por levar a vacina no braço do adolescente que é onde ele está: na escola. Adolescente não frequenta posto de saúde”.
Ela cita países que adotaram com sucesso a política de vacinação contra o vírus e já conseguiram reduzir casos de câncer na população: Suécia, Reino Unido, Austrália e Dinamarca. “Inclusive, esses países estão passando agora a fazer vacinação em dose única só para manutenção da pouca circulação do vírus”.
O veto do governo ainda pode ser derrubado pelos deputados, mas uma das autoras do PL, deputada Marina Helou, sabe que não é tarefa fácil. “Sabemos que derrubar um veto do governador na Assembleia não é um processo simples, mas existe a possibilidade. Neste momento, gostaríamos que o governo do Estado ampliasse a prevenção e o combate ao HPV”, afirmou.
Em nota, o governo estadual reforçou que as propostas do PL já são executadas no estado, por meio do PNI. Segundo o texto, a imunização está disponível desde 2014 em mais de 5 mil postos de saúde no estado.
No Brasil, são 17 mil casos de câncer de colo de útero diagnosticados por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e estima-se que cerca de 5 mil mulheres morram por ano vítimas desta doença. Trata-se da infecção viral mais comum do trato reprodutivo no mundo e estudos comprovam que 50% a 80% das mulheres sexualmente ativas serão infectadas em algum momento de suas vidas.
A professora-associada do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e médica-assistente do Hospital das Clínicas da FMUSP, Ana Marli Cristovan Sartori, enfatizou que o Programa Nacional de Imunização estimula ações de microplanejamento pelos municípios para aumentar as coberturas vacinais e várias estratégias podem ser adotadas.
Para ela, é importante não descartar a vacinação nas escolas, principalmente após a pandemia de covid-19 que, com o isolamento social e fechamento das escolas, impactou nas coberturas vacinais em geral, mas particularmente as coberturas da vacina HPV. “A retomada de programas de vacinação de HPV nas escolas, dentro de um programa de saúde escolar fortalecido, é de grande importância para alcançar altas coberturas vacinais”.
Segundo a professora, cerca de 36% dos municípios paulistas responderam a um questionário sobre a estratégia de vacinação de HPV nas escolas nos municípios do Estado de São Paulo, de 2015 a 2018. Desses, aproximadamente 85% haviam implementado alguma ação de vacinação de HPV nas escolas, muitos realizaram a vacinação propriamente dita nas escolas, enquanto outros implementaram ações de educação sobre o HPV e a vacina em conjunto com as escolas. Os dados constam na dissertação de mestrado de Roberta de Oliveira Piorelli, da Faculdade de Medicina da USP, defendida em julho de 2023. Ela ressaltou ainda que, em todo o país, as coberturas da vacina HPV estão muito abaixo da meta.
Governo
Questionada sobre a diferença entre as doses recebidas e aplicadas, a secretaria da Saúde de São Paulo disse, em nota, que o governo “está empenhado em fortalecer a proteção vacinal em todas as faixas etárias, com foco especial nas crianças”. Informou ainda que uma campanha “abrangente” será lançada “visando garantir que as crianças e adolescentes recebam a proteção adequada com todas as vacinas recomendadas para sua idade”.
Segundo o governo, serão feitas melhorias nos sistemas de registro e acompanhamento das vacinas administradas, “a fim de identificar lacunas na imunização”.
A nota diz ainda que o estado adota diferentes estratégias para aumentar a cobertura vacinal entre as crianças, que incluem campanhas de conscientização para informar os pais e responsáveis sobre a importância da imunização. A secretaria destaca a campanha Vacina 100 Dúvidas, lançada em março, que propõe tirar dúvidas e incentivar a vacinação.
O imunizante está disponível para a população elegível, de 9 a 14 anos, em cerca de 5 mil postos do estado. Para receber a vacina, é preciso estar acompanhado dos pais ou responsáveis, apresentar um documento com foto e a caderneta de vacinação.