Apenas 9 capitais vacinaram mais de 70% da população contra Covid; veja ranking
CRISTIANO MARTINS
São elas as quatro da região Sudeste (Vitória, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte), as três da região Sul (Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre), além de Fortaleza e Belém, únicas representantes das regiões Nordeste e Norte, respectivamente.
O levantamento foi realizado pela Folha a partir dos registros de vacinação nos sistemas oficiais do Ministério da Saúde e das estimativas populacionais mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No caso de Fortaleza, a primeira colocada, contudo, a divergência chama a atenção. Por provável erro nos dados do ministério, a capital cearense aparece com o que seria equivalente a 134,8% da população vacinada. Segundo os números da prefeitura, porém, foram imunizados 85,8% dos moradores —o que ainda deixa a cidade no topo, dentre as 27 capitais.
Em segundo lugar está Vitória (82,5% da população com as duas doses ou dose única, de acordo com o Ministério da Saúde), seguida de Florianópolis (77,9%) e São Paulo (75,6%).
Esta última, na lanterna do ranking, imunizou apenas 31,4% dos habitantes. Mesmo se levado em conta o atraso na digitalização dos registros, o índice ainda não passaria dos 36,4%, de acordo com o painel da Secretaria Estadual de Saúde do Amapá na tarde desta terça (7).
Boa Vista, segunda mais lenta na corrida pela vacina, tem 45,6% dos moradores com o primeiro ciclo completo.
Já Manaus, que viveu a pior crise de saúde entre todas as cidades brasileiras, com falta de oxigênio em hospitais, é a 20ª colocada, com 59,7%. A capital amazonense chegou a receber doses extras no início da campanha.
Especialistas consultados pela reportagem avaliam esses números com alguma preocupação, especialmente diante das incertezas sobre a nova variante ômicron do coronavírus e a chegada do verão.
“O Brasil, de forma geral, tem feito um bom papel. Saímos lá atrás, mas fomos avançando. Porém, na hora que você coloca uma lupa como essa, vê que há diferenças regionais importantes e que ainda estamos longe do ideal, que seria chegar aos 80% até o fim do ano”, resume Rosana Richtmann, coordenadora do Comitê de Imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Como mostrou a Folha no sábado (4), ao menos 24 capitais brasileiras não terão festa de Réveillon neste ano em decorrência do avanço da variante ômicron e da quarta onda da Covid na Europa.
Curiosamente, algumas que aparecem nas últimas posições do ranking da cobertura vacinal não estão nessa lista. Rio Branco não havia confirmado se a festa seria mantida, enquanto Boa Vista e Porto Velho ainda estavam avaliando a questão.
“Chama atenção o fato de que algumas dessas capitais com coberturas muito baixas, com menos de 50%, estão em regiões de fronteira, e fronteiras complicadas do ponto de vista da imigração. Esperávamos já ter pelo menos 70% da população vacinada em todos os lugares a essa altura. E tudo indica que precisaremos mais do que isso, sobretudo por conta da emergência de novas variantes”, observa Alexandre Schwarzbold, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O adiamento do Censo —que deveria ter sido realizado no ano passado e foi remarcado para 2022— compromete a análise mais aprofundada dos dados da vacinação em nível municipal. Além da menor precisão, as projeções populacionais mais recentes do IBGE e do SUS (Sistema Único de Saúde) são divulgadas sem o detalhamento das idades.
Ainda assim, se considerada apenas a vacinação entre os maiores de 18 anos, a proteção contra a Covid também está atrasada nas capitais brasileiras. A meta anunciada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, era imunizar toda a população adulta com o ciclo vacinal completo até outubro.
Até o fim de novembro, no entanto, ainda segundo os registros do ministério, apenas sete capitais já haviam atingido a cobertura total da população com 18 anos ou mais com uma dose (Fortaleza, Vitória, Florianópolis, João Pessoa, São Paulo, Recife e Belo Horizonte), e Vitória era a única com a totalidade alcançada também na aplicação do primeiro ciclo completo (duas doses ou dose única).
Nove capitais ainda não haviam alcançado os 90% da população adulta vacinada com ao menos uma dose (Maceió, Brasília, Palmas, Goiânia, Porto Velho, Boa Vista, Salvador, Rio Branco e Macapá).
A Folha questionou o ministério sobre o resultado da campanha de vacinação nas capitais, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Segundo a infectologista Rosana Richtmann, as discrepâncias regionais podem representar um “grande problema” durante uma pandemia.
“O vírus não conhece limites de municípios. Diante da real possibilidade de introdução de variantes novas no país, podemos ter a recirculação em alguns focos localizados”, ressalta a especialista.
“É um momento importante para as pessoas completarem o esquema, e inclusive quem puder já fazer a dose de reforço. Falta uma campanha clara de orientação e incentivo por parte do Ministério da Saúde nesse sentido. E também uma campanha específica para os adolescentes, de levar as vacinas até eles, porque historicamente o adolescente não vai atrás da vacina”, acrescenta a infectologista.
Para Alexandre Schwarzbold, a ainda baixa cobertura em cidades turísticas, como Salvador, chega a surpreender, às vésperas das férias, do verão e do Carnaval.
“Independentemente das festas, nos feriados do verão há muita afluência de turistas do mundo todo. Eu digo que, se temos 40% de pessoas parcialmente vacinadas, temos na verdade 40% de não vacinados. É um número muito alto, pior do que em países europeus que estão sofrendo numa nova onda”, destaca o infectologista.
O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, também chama a atenção para o tema e defende a exigência da comprovação da vacina para os viajantes.
“A tendência é os países colocarem restrições. A nossa posição é que o Brasil deveria solicitar a comprovação vacinal obrigatória de todas as pessoas que entrem no país. Isso estimularia não só a vacinação internamente, como também do exterior. Do contrário, podemos nos tornar um local com potencial turístico para negacionistas e antivacinas.”