Governo Lula quer mais verba para petróleo e gás apesar de promessa de transição energética

Administração petista formulou Plano Plurianual com mais recursos para combustíveis fósseis do que gestão Bolsonaro

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva gesticula durante o lançamento do programa Sertão Vivo, que visa promover o acesso a fontes de água para a população rural do Nordeste do país, em Brasília – Evaristo Sá/AFP
PEDRO LOVISI
FOLHA DE S.PAULO
SÃO PAULO – Apesar de enfatizar a importância da transição energética, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aloca mais recursos no PPA (Plano Plurianual) para ações no setor de petróleo e gás do que o proposto pela gestão Jair Bolsonaro (PL).

O texto está em tramitação no Congresso e pode mudar. Porém, a atual administração quer gastar R$ 479 bilhões na área, entre 2024 e 2027. O governo anterior previa, de 2020 a 2023, R$ 434 bilhões, já corrigidos pela inflação.

A análise foi feita pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e confirmada pela Folha, com base no PPA elaborado pelo Ministério do Planejamento e apresentado ao Legislativo no final de agosto.

No detalhamento do programa de petróleo, gás, derivados e biocombustíveis do PPA, o governo diz ser necessário ampliar investimentos na exploração e produção de petróleo e gás natural, na infraestrutura de escoamento e processamento de gás natural, no abastecimento de combustíveis e na redução da dependência externa de derivados.

Dos R$ 479 bilhões previstos pelo governo, R$ 472 bilhões são recursos orçamentários. Ou seja, montante que sai do caixa do governo ou de estatais —neste caso, quase tudo virá da Petrobras.

Do montante previsto no PPA, a menor parte trata de recursos não orçamentários, atrelados a subsídios tributários, creditícios e créditos de instituições financeiras, por exemplo.

Já Ministério do Planejamento destaca que a transição energética é agenda transversal. A pasta de Marina Silva não respondeu à reportagem até a publicação deste texto.

No caso de recursos orçamentários, o governo precisa detalhar no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) a destinação exata da verba.

Em 2024, por exemplo, o Executivo quer executar cerca de 25 ações. A mais cara seria a implementação de infraestrutura marítima complementar de produção de petróleo e gás natural na Bacia de Santos (R$ 39 bilhões) —recurso também da Petrobras.

Na lista das ações programadas, apenas a manutenção e adequação da infraestrutura operacional de usinas de biodiesel está diretamente ligada a biocombustíveis. Se a despesa for aprovada pelo Congresso, a Petrobras alocará R$ 32,6 milhões na iniciativa.

“Note-se que o programa apresenta como objetivo geral considerar uma maior ênfase na transição energética. No entanto, quando se analisam os objetivos específicos, observa-se que todos eles tratam da expansão dos combustíveis fósseis (petróleo e gás natural), sem levar em consideração os biocombustíveis”, diz nota técnica do Inesc.

“A contradição nos objetivos desnuda a falsa narrativa de ‘garantir a segurança energética do país, com expansão de fontes limpas e renováveis’, presente em seu objetivo estratégico”, afirma o instituto.

O PPA do governo Lula, no entanto, cria o programa de transição energética, inexistente no projeto da gestão Bolsonaro.

O programa prevê R$ 938 milhões —o equivalente a 0,2% do destinado às operações envolvendo basicamente petróleo e gás. Além disso, todos os recursos reservados para o programa de transição energética são não orçamentários.

Se aprovado, a União e as estatais não precisarão tirar verba dos caixas para financiar essas ações; os recursos poderão vir de subsídios. Por serem não orçamentários, o montante não precisa ser detalhado no PLOA, o que dificulta o monitoramento das ações.Tubulação de água quente usada para gerar energia perto da planta geotérmica da empresa Fervo em Milford, em Utah (EUA)Tubulação de água quente usada para gerar energia perto da planta geotérmica da empresa Fervo em Milford, em Utah (EUA) 

O programa, segundo o Executivo, busca descarbonizar a matriz de transportes, via biocombustíveis; ampliar o suprimento de minerais estratégicos para a transição energética; promover a eficiência energética no uso final de energia; aumentar a participação das fontes de energia limpa na matriz energética brasileira; viabilizar a expansão da rede básica de transmissão de energia; reduzir a participação da geração de energia a diesel nos sistemas isolados; assegurar o atendimento de energia e potência do sistema interligado nacional e interligar sistemas isolados.

O PPA também institui o programa para energia elétrica, que já existia na administração Bolsonaro.

Nele, o governo pretende reservar R$ 92 bilhões para assegurar o suprimento de energia elétrica ao mercado brasileiro com “justiça social e sustentabilidade econômica e ambiental”.

Entre os objetivos específicos do programa, porém, não constam ações que envolvam, ao menos diretamente, a diversificação das fontes de energia no país.

Pelo contrário: o PLOA de 2024 prevê gastos de R$ 1 bilhão para a manutenção da infraestrutura operacional do parque termelétrico da Petrobras. O funcionamento de usinas termelétricas libera CO2 na atmosfera e contribui para o aquecimento global.

Segundo o Inesc, o governo Lula tirou do programa de energia elétrica a única ação que era destinada exclusivamente a esforços de transição energética, mais especificamente de incentivo à geração de eletricidade renovável. Tal ação esteve presente no PPA do governo Bolsonaro, ainda que durante seu governo nenhum valor tenha sido empenhado.Linha de transmissão de energia que conecta a Usina Termelétrica Jaguatirica II a Boa VistaLinha de transmissão de energia que conecta a Usina Termelétrica Jaguatirica II a Boa Vista Lalo de Almeida/Folhapress

“A narrativa do governo é muito boa, tanto internamente como externamente. O presidente Lula, sobretudo na última viagem que fez para Nova York [para participar da Assembleia Geral da ONU], disse que o Brasil vai ser protagonista na transição energética, e com isso nos empolgamos. No entanto, quando analisamos o que está sendo construído na prática, vemos que não é bem assim”, diz Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Inesc.

Recentemente, Lula enalteceu, em evento de comemoração dos 70 anos da Petrobras, o papel da empresa na transição energética. “A Petrobras tem tudo para liderar a transição energética e aproveitar a oportunidade única de o Brasil ser o maior centro de energia renovável do mundo”, disse, em 3 de outubro.

Questionado, o Ministério do Planejamento, diz que o programa de transição energética engloba a redução a zero das alíquotas de impostos federais sobre aerogeradores, além de enfatizar a transversalidade das ações.

A pasta aponta que parte dos R$ 900 bilhões (compostos majoritariamente de benefícios tributários) destinados à política de desenvolvimento industrial será aplicada em iniciativas de transição energética, assim como R$ 97 bilhões serão destinados a pesquisas sobre economia de baixo carbono.

“A agenda ambiental está em 50 dos 88 programas do PPA, o que reforça a complexidade do tratamento recebido pelo tema tanto no plano apresentado”, diz a pasta.

O MME afirma, também em nota, que o plano aborda outros pontos de transição energética e diz que os investimentos da Petrobras da ordem de R$ 472 bilhões se dão em setor “intensivo em capital e que gera centenas de milhares de empregos”.

“Cabe ressaltar que os investimentos para a transição energética não eliminam os voltados para petróleo e gás, uma vez que, segundo estimativas do mercado, o país ainda vai depender de combustíveis fósseis pelo menos nos próximos dez anos”, afirma a pasta.

Os valores estipulados pelo governo tanto no PPA quanto no PLOA ainda podem ser alterados pelo Congresso. Em 2019, por exemplo, o Congresso transformou os R$ 434 bi propostos pela administração Bolsonaro para o programa de petróleo, gás e biocombustíveis em R$ 736 bi —valores já corrigidos.

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