CPI da Covid perde fôlego e agora aposta em sigilos de Pazuello e relação de empresas com Bolsonaro
Comissão no Senado mira novas linhas de investigação e espera dados de ex-ministro da Saúde para mapear contatos
JÚLIA CHAIB – RAQUEL LOPES E RENATO MACHADO
FOLHA DE S. PAULO
BRASÍLIA – Após uma sequência de depoimentos com informações reveladoras, polêmicas e figurando entre os assuntos mais comentados das redes sociais, a CPI da Covid no Senado teve uma perda de fôlego nas últimas duas semanas com ausências de testemunhas-chave e depoimentos mornos.
Mas seus membros apostam agora em novas linhas de investigação, oitivas e quebras de sigilo para dar novo gás às apurações em curso, cujas frentes foram ampliadas e incluem averiguar a relação do presidente Jair Bolsonaro e sua família com empresas e organizações sociais do Rio.
A expectativa é que os resultados da quebra de sigilo do ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) possam mostrar contatos com empresas que estão na mira da CPI.
O depoimento recente que revelou mais informações inéditas, na avaliação de senadores, foi o de Wilson Witzel, governador cassado do Rio de Janeiro. O ex-juiz participou de oitiva na quarta-feira (16).
Ele acusou uma “máfia da saúde” no Rio de Janeiro, que também incluiria hospitais federais, de terem financiado sua queda. “O meu impeachment foi financiado por estas OSs e alguém recebeu este dinheiro”, afirmou Witzel.
O depoimento gerou pedidos de quebra de sigilo de seis OSs listadas pelo ex-governador, além de pedido de convocação do governador do Rio, Cláudio Castro, e do secretário de Saúde do estado, Alexandre Chieppe.
Os senadores querem saber quem está por trás da gestão das OSs e hospitais federais e se Bolsonaro e seus filhos têm relação com as instituições.
O foco da CPI, que mirou inicialmente os erros e omissões do governo federal no combate à pandemia da Covid, foi ampliado.
Antes, as linhas de investigação tratavam principalmente do gabinete paralelo que decide ações de enfrentamento da pandemia à revelia do Ministério da Saúde e o atraso na compra de vacinas.
Agora, a CPI incluiu nas apurações a relação de Bolsonaro e família com farmacêuticas e OSs do Rio de Janeiro. O objetivo é verificar se houve corrupção por meio de favorecimentos a pessoas jurídicas e eventuais pagamentos de propina.
Senadores querem entender a razão de o Itamaraty e o próprio Bolsonaro terem se empenhado para garantir o fornecimento de drogas como a hidroxicloroquina para farmacêuticas, como EMS, Apsen e Vitamedic —os donos das duas últimas já tiveram sigilos quebrados.
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), também deve apresentar uma lista com ao menos 11 pessoas que vão passar da condição de testemunha para a de investigado perante a comissão.
Ele tem dito a outros senadores do grupo majoritário que vai incluir na lista o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Outros nomes já informados pelo relator a outros parlamentares são os ex-ministros Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), o ex-secretário-executivo da Saúde Élcio Franco e o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten.
Francisco Emerson Maximiano, presidente da Precisa Medicamentos, também teve autorizada a quebra de sigilo. Ele foi convocado a depor em sessão que será realizada na próxima terça (22).
Documentos em posse da CPI mostram que a Precisa foi intermediária na negociação do governo para compra da vacina Covaxin. O imunizante é produzido pelo laboratório indiano Bharat Biontech.
Na avaliação dos senadores, o Executivo se empenhou muito mais para a compra de doses dessa vacina do que os da Pfizer, por exemplo.
A Covaxin é a vacina mais cara dentre os imunizantes comprados pelo Ministério da Saúde para o combate à Covid. Pelo contrato, cada dose custa US$ 15 —R$ 80,70, pela cotação do dólar no momento da emissão da nota de empenho.
O acordo virou alvo do MPF (Ministério Público Federal), que investiga suspeita de favorecimento à Precisa em razão de termos contratuais tidos como benevolentes e por não ter havido sanção contratual após o descumprimento dos prazos previstos.
Além da suspeita de favorecimento do governo federal a essas empresas, os senadores também querem apurar se os laboratórios financiam entidades e associações médicas que passaram a defender medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) avalia que o depoimento de Witzel foi importante para mostrar a corrupção no Rio de Janeiro. Diz acreditar que ouvi-lo em sigilo vai contribuir ainda mais com as apurações.
Ele afirma que a próxima semana será mais proveitosa por causa dos dois membros do gabinete paralelo: o deputado Osmar Terra (MDB-RS) e o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência Filipe Martins.
“Eles são componentes do gabinete paralelo, do absurdo, do desconhecimento científico. Osmar Terra foi o grande defensor da imunidade de rebanho. As previsões deles foram todas incorretas e ele chegou a orientar [o ex-ministro Eduardo] Pazuello.”
O senador Humberto Costa (PT-PE) também avalia que o depoimento de Witzel contribuiu para investigação de supostos casos de corrupção.
“A avaliação é que a CPI está indo bem. Tem que ter clareza que não vamos produzir fatos políticos todos os dias como se fosse uma novela com fortes emoções”, disse o senador do PT.
A mudança de tom se deve às frustrações com depoimentos recentes.
A oitiva do empresário Carlos Wizard, que estava prevista para esta quinta (17), acabou não ocorrendo porque o bilionário está nos EUA e se recusou a vir ao Brasil para testemunhar.
Da mesma forma, na semana passada, o governador do Amazonas, Wilson Lima, compareceria ao Senado, na quinta (10), mas não foi após conseguir habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal).
A CPI, então, acabou por ser palco de depoimentos menos rumorosos do que os de ambos. Na terça (15), a comissão ouviu o ex-secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo.
Ele afirmou que uma missão do ministério a Manaus teve um enfoque no tratamento precoce e também deu detalhes sobre datas de aviso de falta de oxigênio no estado ao Ministério da Saúde, mas não trouxe novos elementos à CPI.
Na semana passada, a CPI da Covid ouviu novamente o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o ex-secretário-executivo da pasta Elcio Franco, braço-direito na gestão Pazuello.
Eles reforçaram suspeitas da comissão de que não há autonomia do Ministério da Saúde e que houve negligência na contratação de vacinas. Ambos, porém, também não apresentaram novos elementos.
NA MIRA DA CPI
Lista de prováveis investigados (*)
- Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde
- Élcio Franco, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde
- Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social da Presidência
- Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde
- Paolo Zanoto, virologista, suspeito de fazer parte do gabinete paralelo
- Hélio Angotti, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde
- Francielle Fantinato, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI)
- Marcelo Queiroga, ministro da Saúde
- Carlos Wizard, empresário
- Arthur Weintraub, ex-assessor da presidência da República
- Nise Yamaguchi, médica defensora da hidroxicloroquina
(*) Nem todos podem ser anunciados nesta sexta (18), mas ainda deverão figurar como investigados, segundo integrantes da CPI