COP28 termina com aprovação de transição dos combustíveis fósseis
O teor do documento, inédito, sinaliza que a era do petróleo pode estar se encaminhando para o fim, ainda que a linguagem escolhida seja mais fraca do que a necessária para a urgência de conter as mudanças climáticas, apontam especialistas em clima e líderes de países-ilha, os mais vulneráveis às consequências do aquecimento do planeta. O ano de 2023 é o mais quente em 125 mil anos, como aponta o observatório europeu Copernicus.
O acordo firmado em Dubai (Emirados Árabes) após duas semanas de negociações, desde 30 de novembro, tinha como objetivo enviar um sinal potente aos investidores e formuladores de políticas públicas de que o mundo agora está unido para dar fim ao uso dos combustíveis fósseis, algo que os cientistas afirmam ser a última e melhor esperança para evitar uma catástrofe climática.
Em fala na plenária, a ministra Marina Silva comemorou o resultado por incluir no texto final o objetivo de frear o aquecimento em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris. O documento de 2015 cita a possibilidade de aquecimento até 2°C, o que representa um risco maior de eventos climáticos extremos.
Marina também afirmou que os países desenvolvidos precisam tomar a dianteira na transição energética e assegurar os “meios necessários para os países em desenvolvimento poderem implementar suas ações de mitigação e adaptação”.
Nas discussões ao longo das últimas semanas, o Brasil, que levou a maior delegação desta COP (1.337 participantes), defendeu uma linguagem mais forte para o compromisso sobre combustíveis fósseis.
INSATISFAÇÃO
Também na plenária, as Ilhas Samoa criticaram o texto, destacando que não é suficiente para garantir uma resposta à urgência de locais que correm o risco de desaparecer e que foi aprovado sem a presença da representante do país.
O presidente da COP28, Sultan al-Jaber, disse que as colocações de Anne Rasmussen, negociadora-chefe de Samoa —que falou também em nome dos outros 38 países da Aliança dos Pequenos Estados Insulares—, seriam anotadas. O resultado da plenária, porém, não foi alterado pela fala.
Nas discussões do texto, mais de cem países fizeram lobby por uma linguagem forte no acordo da COP28 para incluir a expressão “eliminar gradualmente” o uso de petróleo, gás e carvão, mas encontraram forte oposição do grupo de produtores de petróleo liderado pela Arábia Saudita, a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). O cartel argumentou que o mundo pode reduzir as emissões sem abandonar combustíveis específicos.
Esse desentendimento levou a cúpula a atrasar seu encerramento, previsto para terça-feira (12). Com isso, os trabalhos dos diplomatas atravessaram a madrugada.
Um novo rascunho do balanço global do Acordo de Paris, principal documento desta COP, foi publicado às 7h do horário local em Dubai (meia-noite no Brasil). Como alternativa à menção sobre eliminação gradual (“phase out”, em inglês) dos combustíveis fósseis, o novo texto propôs a transição dos combustíveis fósseis (“transitioning away from”, no termo em inglês).
A plenária para aprovação do texto começou por volta das 11h em Dubai (4h no Brasil).
“Nós trabalhamos muito para garantir um futuro melhor para nosso povo e nosso planeta. Devemos nos orgulhar de nossa conquista histórica”, disse Sultan al-Jaber, presidente da COP28, que ressaltou como a conferência foi “inclusiva” e acolheu nomes de governos e do setor privado.
Jaber, que também é CEO da petroleira estatal Adnoc, enfrentou ao menos duas crises durante a COP28 em razão de conteúdos vazados. Logo antes do evento, foram reveladas anotações que deveriam ser usadas em conversas com países, no âmbito da conferência, para fechar contratos relacionados a petróleo.
Depois, em gravação de conferência até então desconhecida do público, Jaber apareceu dizendo que não há critério científico para a eliminação dos combustíveis fósseis.
Com mais de 90 mil inscritos ao todo, maior número da história das cúpulas do clima, a COP de Dubai foi também a recordista em lobistas do petróleo, conforme levantamento feito por ONGs com base nos registros públicos da organização. Foram credenciados 2.456 nomes do setor, três vezes mais do que em 2022, no Egito, o recorde até então.
PRESSÃO DO PETRÓLEO
A eliminação dos fósseis esteve nos rascunhos negociados ao longo da primeira semana da conferência e desapareceu no final de semana, logo após a Opep ter enviado uma carta aos membros do seu grupo expandido, a Opep+, sugerindo que não aceitassem menções à redução dos combustíveis fósseis, mas, no lugar, propusessem a redução das emissões de gases-estufa.
A diferença permite que o setor continue explorando e queimando combustíveis fósseis, apelando para soluções de compensação do carbono emitido. Segundo os relatórios do painel do clima da ONU e da Agência Internacional de Energia, a conta não fecha. Para conter o aquecimento global em até 1,5°C, seria necessário evitar novos investimentos em fontes de carvão, petróleo e gás.
Agora que o acordo foi fechado, os países são responsáveis por cumprir os termos por meio de políticas e investimentos. O acordo exige a “transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de maneira justa, ordenada e equitativa”, com o objetivo de “alcançar o zero líquido [neutralidade de carbono] até 2050, de acordo com a ciência”.
Também foi acordado que, até 2030, será triplicada globalmente a capacidade de energia renovável e duplicada a eficiência energética.
CAMINHO ATÉ BELÉM
“Esse resultado da COP28, forte em sinais, mas fraco em substância, significa que o governo brasileiro precisa assumir a liderança até 2024 e estabelecer as bases para um acordo da COP30 em Belém que atenda às comunidades mais pobres e vulneráveis do mundo e à natureza”, diz Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
A cúpula no Brasil, em 2025, terá a missão de atualizar as metas climáticas dos países, as chamadas NDCs. Para o trabalho em conjunto com a presidência da COP28 e da COP29, que será realizada em 2024 em Baku, no Azerbaijão, Marina Silva contou que foi criada uma troica com a responsabilidade de traçar o “mapa do caminho” para manter o planeta em 1,5°C.
“Ele [governo do Brasil] pode começar cancelando sua promessa de se juntar à Opep, o grupo que tentou e não conseguiu destruir essa cúpula. Sem uma ação real, o resultado de Dubai não será comemorado entre as comunidades de todo o mundo que estão sofrendo com os eventos climáticos extremos”, completa Astrini, citando o aceite do governo Lula para ingressar na Opep+, grupo de países parceiros do cartel do petróleo, anunciado no começo da COP28.
Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, a conclusão da COP28 representa que “vencemos o impossível fim dos combustíveis fósseis, uma vitória retumbante sobre a diplomacia do óleo e do gás, que predominou nos últimos 30 anos”.
“Isso significa que países que apostam na expansão contínua da produção de petróleo, gás e carvão mineral terão que rever seus planos e indicar como e quando completarão sua transição”, diz.
Camila Jardim, especialista em política internacional do Greenpeace Brasil, também destaca que “o ganho real da COP28” foi colocar os combustíveis fósseis no centro do debate, “responsabilidade que nenhuma das 27 conferências do clima anteriores tinham assumido”.
“Também celebramos que as partes tenham adotado a proposta dos negociadores brasileiros de se criar um conjunto de atividades para se alcançar a meta de limitar o aquecimento global em 1,5°C”, afirma. “E como sabemos, não há como limitar o aumento da temperatura do planeta e seguir explorando os combustíveis fósseis nos próximos anos”, diz ainda.
Além da adesão à Opep+, o governo Lula foi criticado, em meio às discussões da COP28, por convocar um leilão de mais de 600 poços de petróleo e gás, que será realizado nesta quarta-feira no Rio de Janeiro. ONGs o apelidaram de “o leilão do fim do mundo”, pelo tamanho e por ofertar áreas próximas a locais sensíveis do ponto de vista ambiental e social.
Em entrevista coletiva após a plenária final, Marina Silva chamou de “coincidência” a realização do leilão junto ao fim da COP e afirmou que as instituições do governo têm autonomia em suas agendas.
A ministra repetiu que os países desenvolvidos são os que devem liderar a transição energética e que as nações têm obrigações comuns, mas diferenciadas nas questões climáticas —princípio da convenção do clima que cobra mais ações e recursos dos países ricos.
Com informações da Reuters.