Com oferta maior que procura, estados dos EUA dispensam doses de vacina contra a Covid-19
10 de maio de 2021
Museu Americano de História Natural, em Nova York, foi transformado em centro de vacinação Foto: ANGELA WEISS / AFP/23-4-21
Para incentivar inoculação, governos locais recorrem a estratégias como eventos de vacinação coletiva; número de doses aplicadas diariamente caiu 41% desde o meio de abril
O Globo e New York Times
NOVA YORK – A campanha de imunização contra a Covid-19 nos Estados Unidos enfrenta uma queda na busca por doses que ameaça atrasar os planos do presidente Joe Biden de vacinar 70% dos americanos até julho. Vários estados estão rejeitando as vacinas alocadas pela Casa Branca, enquanto outros lançam incentivos para moradores e até turistas em busca da inoculação. Em breve, por exemplo, deverá ser possível se vacinar na Times Square ou no Empire State Building.
O sucesso inicial da campanha de Biden é inegável: foram mais de 235 milhões de doses aplicadas até o seu 100º dia de governo, mais que o dobro da meta inicial de 100 milhões, que muitos diziam ser pouco ambiciosa. Em 10 de abril, os EUA inocularam recorde de 4,6 milhões de pessoas.Desde o meio do mês passado, no entanto, a média diária de vacinação caiu cerca de 41% e, no sábado, ficou aquém de 2 milhões pela primeira vez desde o início de março. Ao contrário da maior parte do planeta, onde há escassez de doses, nos EUA faltam braços interessados.
Segundo a Associated Press, o estado de Wisconsin pediu que o governo federal envie apenas 8% das 162.680 doses que haviam sido alocadas para a semana que vem. Em Iowa, a quantia requisitada corresponde a 29%. Já Illinois pediu apenas 9% do previsto para todo o estado, exceto para Chicago.
As Carolinas do Norte e do Sul, Connecticut e o estado de Washington também reduziram suas encomendas. Alguns lugares, como Nova York, Maryland e Colorado, no entanto, as mantiveram.
Para fomentar a vacinação, os estados e cidades recorrem a estratégias variadas. Em San Diego, na Califórnia, empresas, grupos e instituições com capacidade para centenas de pessoas que queiram vacinar seus membros podem requisitar um “evento de vacinação coletiva”. Basta preencher um formulário on-line, que será avaliado pelas autoridades do condado.
Vacina no Empire State
O estoque de doses abre também uma oportunidade para a retomada do turismo, setor praticamente paralisado pela pandemia. Buscando atrair novamente visitantes para Nova York, o prefeito Bill de Blasio planeja disponibilizar vans de vacinação em pontos turísticos populares da cidade, como a Times Square, para inocular quem desejar, sem agendamento.
A ideia é usar as doses únicas da Johnson & Johnson, que podem ser armazenadas em temperaturas normais por até três meses. Para ser posto em prática, o plano depende do aval do governador Andrew Cuomo e da suspensão de leis locais que limitam à vacinação a nova-iorquinos e quem trabalha no estado precisam ser mudadas.
A Flórida, que rescindiu no mês passado uma regra que limitava as vacinas aos moradores do estado, exige agora apenas uma declaração verbal de que a pessoa mora ou trabalha no estado e viu um aumento do turismo da vacina, inclusive de brasileiros. O governo do Alasca anunciou que fará o mesmo a partir de 1º de junho.
O Texas, por sua vez, vê um fluxo de turistas mexicanos ávidos pelas doses ainda escassas em seu país: se a fronteira terrestre continua fechada, basta recorrer a um curto voo. Em abril, 207 mil passageiros saíram dos aeroportos mexicanos para os EUA, em comparação com 177 mil em março e 95 mil em fevereiro, segundo dados preliminares do aeroporto.
Em paralelo, com vacinas de sobra, os EUA são cada vez mais pressionados a dividi-las com o resto do mundo e pôr um fim às medidas protecionistas que impedem a exportação de doses e insumos, especialmente diante da dimensão da crise na Índia. As disparidades entre países ricos e pobres são gritantes: 83% das doses aplicadas até o momento no planeta foram em países ricos ou de renda média-alta. Apenas 0,3% das vacinas foram aplicadas em países pobres.
Biden disse que irá doar 60 milhões de doses da Universidade de Oxford-AstraZeneca, que os EUA sequer aprovaram, até julho, mas não anunciou como ou para quem. Ele também decidiu apoiar na Organização Mundial do Comércio a quebra das patentes das vacinas contra a Covid-19, revertendo sua posição anterior. Seu projeto, contudo, deverá ser menos abrangente que a proposta indiana e sul-africana, que tem o apoio de mais de 90 países.
Queda esperada
Segundo Amesh Adalja, especialista em doenças infecciosas na Universidade Johns Hopkins, a queda na busca por vacinas nos EUA era esperada. Segundo ele, depois que as pessoas que estavam ansiosas para se vacinarem tomaram suas injeções, a campanha “teria uma perspectiva muito mais desafiadora”.
Há uma parte da população que está hesitante para se vacinar ou tem outras razões para não o fazê-lo, o que causou a queda na demanda. Segundo um levantamento divulgado pela Fundação da Família Kaiser (KFF), na última quinta-feira, 19% dos americanos disseram que não irão tomar a vacina ou que só o farão se forem obrigados — em março, eram 20%. Aqueles que afirmaram que pretendem esperar para ver os impactos diminuíram de 17% para 15% em um mês.
Uma notícia boa para Biden é que o número de republicanos que disseram que não irão tomar a vacina caiu de 29% para 20%. A estratégia agora, disse Adalja, deve ser facilitar o acesso às doses, seja com o aumento de clínicas que não precisam de agendamento ou com vacinação de porta em porta.
O governo já muda sua abordagem: criou um banco de doses nacional que distribui as vacinas para os estados de acordo com a demanda, e não mais pela população, e investe em comunidades minoritárias que vêm ficando para trás. Grandes centros de vacinação vêm sendo substituídos por espaço menores, e as farmácias vão permitir que as pessoas se vacinem sem agendamento. Em regiões rurais, haverá clínicas móveis.
As autoridades contam com a vacina da Johnson & Johnson para agilizar o processo, mas ela enfrenta um problema de confiabilidade. Sua distribuição no país foi interrompida em 13 de abril devido a raríssimos casos de trombose, mas retomada dias depois, após sua segurança e eficácia serem atestadas. Ainda assim, segundo a pesquisa do KFF, mais de metade dos americanos dizem não confiar nela. Coincidentalmente, a queda na média injeções diárias coinicidiu com a suspensão.