Alckmin é a ‘Carta ao Povo’ de Lula em 2022, diz marqueteiro de Freixo

O marqueteiro Renato Pereira – Ana Branco – 5.nov.2021/Agência O Globo

ITALO NOGUEIRA

O GLOBO

RIO DE JANEIRO – A presença do ex-governador Geraldo Alckmin (sem partido, ex-PSDB) como vice na chapa do ex-presidente Lula (PT) equivaleria à Carta ao Povo Brasileiro assinada em 2002 pelo petista, avalia o marqueteiro Renato Pereira.

O documento, lançado na campanha eleitoral de 2002, foi divulgado com o objetivo de diminuir a resistência ao nome de Lula no mercado financeiro. Nele, ele comprometia-se a respeitar contratos, preservar o superávit primário e reduzir a dívida pública.

Para Pereira, ex-integrante das equipes de marketing de Sérgio CabralEduardo Paes e Aécio Neves, a aliança dos rivais históricos simboliza “generosidade e união”. Ao se unir ao ex-governador, Lula deixa de ser o protagonista único da chapa e, para o marqueteiro, “abre mão de uma revanche”.

“O Alckmin acrescenta ao Lula a capacidade de representar uma causa moderada, generosa e que procura a união. No contexto de desunião que o país vive, quanto mais forte for a representação da união, mais capacidade você tem de vencer. Gestos valem mais que palavra. O Alckmin é a ‘Carta ao Povo Brasileiro’ de 2022”, afirmou ele.

Pereira atualmente integra a pré-campanha do deputado Marcelo Freixo (PSB) ao Governo do Rio de Janeiro. Com um acordo de colaboração premiada assinado com a Justiça, no qual relatou crimes cometidos nas gestões Cabral e Paes, entre outros, o marqueteiro não vê constrangimento em voltar a atuar no marketing político no estado.

“É um fato que infelizmente faz parte da minha vida, do qual me arrependo, mas creio que está superado.”

Qual impacto eleitoral da aliança do Lula com o Alckmin? Se a aliança se efetivar, do ponto de vista eleitoral, ela pode significar uma vitória no primeiro turno. Certamente significa um fortalecimento da posição do Lula como um candidato mais ao centro já na própria eleição.

O Alckmin tem um valor que não é da matemática eleitoral. A pergunta não é quantos votos ele soma ao Lula, mas sim o quanto permite ao Lula dialogar com setores mais amplos do eleitorado brasileiro e ter mais votos.

O potencial de voto Lula mais Alckmin é superior do que se ele se aliasse a um empresário, alguém com perfil mais moderado, mas que não tivesse sido de um campo diretamente adversário.

Alckmin teve um resultado ruim em 2018. Ele agrega tanto assim? Quando você vota em alguém, vota por acreditar que esse alguém representa alguma coisa. [O eleitor] Tem que se sentir de alguma forma conectado em quem você vai votar.

A aliança com um adversário tem um sentido de generosidade, de aproximação entre contrários e união. Isso acontece num contexto em que o atual presidente representa disrupção, uma retórica mais truculenta.1 12

Para o Alckmin, de fato, representa voltar ao jogo nacional. Mas não é só isso. É voltar num contexto em que a gente tem a democracia ameaçada, um país que não consegue sair do lugar, em que os conflitos políticos não encontram uma resultante minimamente positiva.

A união entre eles parece um gesto de generosidade. Cada um perde alguma coisa. O Alckmin deixa de ser o comandante de um estado como São Paulo, o principal do país. O Lula abre mão de ser o protagonista solitário da sua volta por cima. Ele abre mão de uma revanche.

No contexto de desunião que o país vive, quanto mais forte for a representação da união, mais capacidade você tem de vencer. Acho que Alckmin soma exatamente aí, mostrando que não é um discurso do Lula. É a prática do Lula. Gestos valem mais que palavra. O Alckmin é a “Carta ao Povo Brasileiro” de 2022.

As falas do passado de Alckmin contra o Lula não criam uma dificuldade para explicar ao eleitor? Pelo contexto que a gente está vivendo, não acho. O sentido da grandeza da história é mais fácil e cativante do que a pequena política de falar das contradições.

Há espaço para terceira via? O que muda se a aliança se concretizar? No cenário atual, há um estudo do [cientista político] Alberto Almeida em que ele analisa, ao longo de 2021, como Lula consegue evoluir entre os eleitores que avaliam o governo Bolsonaro como ruim e péssimo. Há uma evolução percentual do ex-presidente neste grupo. Isso antes do Alckmin.

No extremo oposto, entre quem avalia o governo como bom ou ótimo, o Bolsonaro cresce a sua participação.

O que Alberto demonstra é que, a não ser que a tendência se inverta, há pouco espaço para uma terceira via. Com Alckmin, ainda menos.

Além disso, as pessoas tendem a falar do cenário político brasileiro como polarizado. Mas o que a gente vê hoje é um cenário centralizado. O que dificulta ainda mais para a terceira via.

Todos estão disputando o eleitor de centro. O Lula caminha para o centro, e a aliança com o Alckmin é mais um movimento importante nessa direção. O presidente Bolsonaro também fez isso no fim de 2021. Fortaleceu sua aliança com o centrão e parou de fazer manifestações de rua.

O [Sergio] Moro também faz a mesma coisa, tentando se apresentar como um candidato não tão autoritário assim. [João] Doria e Ciro [Gomes] também.

Todo mundo está disputando o mesmo espaço, mas dois desses candidatos partem de fortalezas bastante bem constituídas.

Estamos vivendo uma eleição que já é um segundo turno com a precipitação de alianças políticas. Geralmente no primeiro turno se busca constituir suas identidades, as fortalezas, e depois ter uma convergência com as alianças. Isso acontece hoje.

Isso se deve ao fato de existir um pré-candidato que, potencialmente, vence no primeiro turno? Não necessariamente. A primeira grande razão é o fato de termos um presidente que trouxe uma retórica radical mas entregou pouca coisa. Há um conjunto de crises simultâneas. Isso favorece a busca de entendimentos para superar esse momento.

Por que a terceira via não avança no grupo que desaprova o presidente? O Lula representa mudança porque vivemos uma crise econômica com inflação alta, fome e falta de perspectiva, e quando o Lula era presidente acontecia exatamente o contrário. A memória do Lula no campo popular o favorece fortemente.

Além disso, o Bolsonaro sempre fez do PT o seu grande adversário. Sempre nomeou o PT como tudo aquilo que ele sempre quis eliminar no Brasil. É óbvio que o PT representa a mudança em relação ao Bolsonaro.

É perda de tempo Doria e Moro tentarem candidatura? Do ponto de vista do resultado, talvez. Mas disputar uma eleição que não vai ganhar não necessariamente é perda de tempo. Vai fortalecer o seu nome, se tornar conhecido, fazendo alianças, aprendendo. O próprio Lula fez isso.

O patamar atual de Bolsonaro é um piso? O que mantém essa base? Acho que sim. Ele mantém isso ao saber articular um sentimento de desconforto, humilhação e deslocamento que um contingente importante da sociedade brasileira tem em relação ao que se chama de establishment.

Vivemos numa sociedade em que muita gente se sente deslocada, irrelevante ou desconfortável com comportamentos que se tornaram aceitos, a regra do jogo. Bolsonaro sempre foi muito atento a esses sentimentos.

A religiosidade entra um pouco nessa história também. Evangélicos têm enfrentado preconceito há algum tempo. Tanto os crentes como os pastores.

Eles estão cansados de serem desprezados ou mesmo humilhados enquanto estão fazendo uma história que é quase revolucionária. Estão lutando para melhorar de vida, empreendendo, organizando a sua família e conseguindo viver numa situação que é de periferia, mas altivamente.

Você dá a volta por cima e ainda tem gente que diz que você não vale nada. Não perceber que o bolsonarismo sai do ventre da sociedade politicamente correta me impressiona muito.

O presidente é capaz de melhorar o ótimo/bom? O Auxílio Brasil pode ajudar nisso? Ele tem se mostrado pouco capaz nessa matéria. O auxílio pode ajudar, mas não parece uma variável por si só suficiente para mudar o patamar de avaliação.

O cenário do Rio de Janeiro vai refletir o nacional? Entre os estados do Sudeste, aqui é onde o Bolsonaro tem a melhor avaliação. As pesquisas mostram o presidente mais perto do Lula aqui.

E agora há um alinhamento político explícito, quando Bolsonaro entra no partido do [governador] Cláudio Castro. Se do outro lado há uma aliança de Freixo com Lula, é natural uma reprodução do cenário.

Essa mudança de partido de Freixo pode soar artificial? Como esse novo Freixo vai se apresentar? Não diria que tem um novo Freixo. Ele sempre teve uma força eleitoral expressiva e política, relevante. A ida para o PSB buscou maior densidade eleitoral.

A agenda de valores pode ser um peso numa campanha majoritária? Essa é uma bela fake news. A marca do Freixo sempre foi a luta contra o crime miliciano.

O fato de o sr. ser colaborador da Justiça entrou na conversa com ele para sua entrada na campanha? Esse tema entrou, claro, porque ele precisava saber a situação atual. É um fato que infelizmente faz parte da minha vida, do qual me arrependo, mas creio que está superado.

Mas pode ser um constrangimento para ele no momento em que ele se coloca como um candidato de mudança de rumo do estado? Ele está mais habilitado a responder essa pergunta. Mas a minha avaliação é que não. Não sou tão relevante assim. Se avaliasse assim, jamais teria aceitado o convite.

RAIO-X

Renato Pereira, 62, é formado em antropologia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Comandou as campanhas de Sérgio Cabral (2006, 2010) e Luiz Fernando Pezão (2014) ao Governo do Rio de Janeiro, de Eduardo Paes (2008 e 2012) à prefeitura, e o início da pré-campanha de Aécio Neves (PSDB) à Presidência da República. Também trabalhou na eleição presidencial na Venezuela (Henrique Capriles) e Peru (Pedro Paulo Kuczynski, o PPK). Firmou acordo de colaboração premiada com a Justiça nas investigações sobre fraudes na gestão Cabral.

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