Sem padrinho no Senado nem esforço do governo, André Mendonça luta sozinho por vaga no STF
Mariana Carneiro
O Globo
Numa tarde de julho, André Mendonça foi recebido no gabinete por um senador que se declara independente do governo Bolsonaro. Marcou a reunião por meio de um amigo comum e chegou sozinho. Num papo breve, disse que esperava contar com o apoio do parlamentar e garantiu que, se o seu nome fosse aprovado para o Supremo, pretendia seguir a lei e não necessariamente os interesses do presidente da República. Em 30 minutos, despediu-se e foi embora.
Desde então, o ritual tem se repetido com frequência. Indicado há mais de um mês por Jair Bolsonaro para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça tem tocado sozinho sua campanha. Sem contar com um padrinho influente e nem com o esforço dos articuladores do governo no Congresso, Mendonça enfrenta o isolamento político e um opositor poderoso: Davi Alcolumbre (DEM-AP).
É o ex-presidente do Senado, que agora comanda a Comissão de Constituição e Justiça, quem tem de convocar a comissão para sabatinar Mendonça e encaminhar o veredito ao plenário do Senado, onde precisa do aval de pelo menos 41 dos 81 senadores para ser nomeado.
Mas Alcolumbre, que é contra a nomeação de Mendonça, se recusa a convocar a comissão e vem bancando uma queda-de-braço com Jair Bolsonaro desde antes do recesso parlamentar.
Vera Magalhães: Aras sonha com vaga no STF caso Mendonça se inviabilize
O senador, assim como vários outros aliados do presidente da república, gostaria que o novo ministro do Supremo fosse o procurador-geral da República, Augusto Aras. Mas o presidente até já indicou Aras para o segundo mandato e não demonstra intenção de mudar de ideia.
O resultado é que o Senado já voltou a funcionar há 3 semanas, mas até agora a mais importante comissão da Casa, por onde todo tema importante tem que passar antes de ir para o plenário, ainda não se reuniu por causa da “greve” de Alcolumbre.
Interlocutores de Alcolumbre e de Bolsonaro contaram à equipe da coluna que a última conversa entre os dois antes do recesso parlamentar, havia terminado em discussão.
Alcolumbre, que não esconde a contrariedade por não ter ganhado um ministério depois de deixar a presidência do Senado, também está insatisfeito por ter sido escanteado pelo governo na negociação de emendas do orçamento secreto.
Na semana passada, o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, tentou produzir um acordo entre o presidente e Alcolumbre. Ele se encontrou com o senador amapaense e o seu maior aliado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que assiste a tudo e não intervém. Além disso, Alcolumbre também esteve em uma reunião com o próprio Bolsonaro no Palácio do Planalto.
A ideia era conseguir um armistício para que Mendonça tivesse pelo menos a data da sua sabatina marcada. Nada feito.
Não só não chegaram a um acordo como, na sexta-feira, vários senadores que haviam negociado emendas com Alcolumbre tiveram os recursos congelados por ordem do Palácio do Planalto.
Só no Ministério do Desenvolvimento Regional, o valor chega a R$ 700 milhões. Até emendas que já tinham ordem de empenho autorizada foram suspensas.
Preocupados, os senadores foram procurar Ciro Nogueira e Flávia Arruda, ministros do Centrão com assento no Palácio do Planalto. E foram informados de que Nogueira tinha assumido as rédeas da articulação política no Congresso.
Segundo a versão que passou a correr entre os senadores depois desses encontros, o alvo da Casa Civil com este movimento nem é a indicação de Mendonça, e sim garantir que temas como o novo Bolsa Família e a privatização dos Correios avancem na Casa.
“Quando recebe os senadores, o Ciro até diz que Mendonça é o indicado de Bolsonaro e tem que ser aprovado”, conta um desses interlocutores. “Mas vou dizer… quando o governo bate na mesa ele faz o seu indicado, não existe isso de resistência, não. A Dilma, que é a Dilma, não fez um ministro?”, diz ele.
Em 2015, a ex-presidente da República também enfrentou resistência no Senado ao nome de Edson Fachin, mas acabou aprovando o ministro, mesmo com a popularidade em baixa.
Enquanto isso, Mendonça usa como base de apoio o escritório da liderança do governo no Congresso, que fica na Câmara dos Deputados. Nem mesmo Flávio Bolsonaro, que é senador e filho do presidente, tem se mexido para ajudá-lo.
Em meio à queda de braço, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) propôs ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que leve a discussão para o plenário da Casa, desviando-se da resistência de Alcolumbre.
Não bastasse esse obstáculo, desde o início de agosto Mendonça já não é mais o advogado-geral da União. Foi substituído pelo presidente sem ter a nomeação garantida para o Supremo.
O próprio Mendonça argumenta que foi ele quem pediu para sair da AGU, para não criar conflitos. Mas até os próprios ministros do STF avaliam que o fato de Mendonça já estar fora do governo dificulta sua campanha. “Nunca um candidato chegou ‘desvestido’ a essa disputa”, comentou um deles.
A maior demonstração dessa dificuldade é o fato de que o próprio Alcolumbre, assim como Renan Calheiros e outros senadores influentes, ainda não aceitaram sequer receber Mendonça para uma conversa.
Sempre que questionado sobre quando, afinal, pretende pautar a discussão sobre a indicação de Mendonça para a CCJ, Alcolumbre deixa bem claro que não está com pressa. Ele sabe que, quanto mais o tempo passa, mais quente fica o óleo da fritura de Mendonça. E mais valioso o seu gesto de boa vontade.