“Quantas vezes eu preciso ser estuprada?”: vítima reforça denúncia contra PM
Por meia hora, a frentista de 24 anos falou sem ser interrompida pela reportagem. O relato demonstra revolta pelo descrédito de denúncia de estupro feita contra o policial militar Israel Giron Arguelho de Carvalho, 32 anos, caso que veio à tona no dia 9 de agosto. A mulher quis relatar sua versão dos fatos, após o laudo do Imol (Instituto de Medicina e Odontologia Legal) não comprovar agressão sexual.
“Quantas vezes mais eu preciso ser estuprada para comprovar que estou falando a verdade?”, disse ao Campo Grande News. Informações repassadas pela Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher) indicam que mesmo sem violência atestada em laudo, isso não excluiu a prática do crime de estupro, tendo em vista que foi encontrado esperma do policial militar na calcinha, casaco, camiseta e calça da vítima.
De acordo com a frentista, ela não conhecia Israel e não sabia que ele era policial. “Eu nunca tinha visto ele na vida. No dia do estupro, ele estava de roupa normal, usava uma arma e apontava para mim a todo instante na hora do estupro, colocando nas minhas costas e na minha cabeça”, relembrou.
A mulher conta que após o caso ganhar repercussão na mídia, passou a ser perseguida, atacada e sua dor foi diminuída pela sociedade. Natural do Pará, a vítima estava morando em Campo Grande há um ano, com a filha pequena, no Jardim Noroeste. A mulher trabalhava em um posto de gasolina na região. Dias depois de ser estuprada, a mulher voltou para a cidade natal.
“Eu fui estuprada, tive que mudar de cidade à força, interrompi todos os meus sonhos. Mudei de vida com minha filha, tive minha vida devastada e minha intimidade violada várias vezes e agora estão dizendo que fiz isso porque sou de facção. Até quando vou precisar provar que estou falando a verdade?”, questionou a mulher.
Segundo o relato da vítima, o crime ocorreu no dia 9 de agosto, em uma terça-feira. No mesmo dia, ela procurou a Deam, onde registrou boletim de ocorrência. “Fiz a denúncia e a polícia começou a investigar. Na sexta-feira, descobriram que ele era policial. Chegaram até ele através da placa do carro, fiz o reconhecimento por foto e pessoalmente, quando levaram ele na delegacia”, relata.
Antes de o policial ser identificado pelas equipes da Deam, a intenção da vítima era seguir a vida e continuar em Campo Grande. Quando Israel foi preso e ela soube do cargo que ocupava, decidiu voltar para o Pará.
“Quando fiquei sabendo através de um link que me mandaram, que ele tinha sido preso e que era policial, eu quis ir embora, fiquei com muito medo, porque depois do estupro ele tirou foto do meu rosto e disse que se eu fizesse algo me mataria e mataria minha filha, ele ainda falou que sabia onde eu morava”, lembra.
No momento que Israel parou o carro, a vítima achou que seria assaltada. “Pensei que ele ia roubar e me matar, mas daí ele apontou a arma para mim, mandou eu tirar a roupa e ficar calada, a todo instante eu falando pra ele não me matar porque eu tinha uma filha”, narra.
Laudo – No dia 10 de agosto, a mulher passou por exame sexológico no Imol. Apesar de o documento apontar que não houve relação sexual entre a vítima e o policial, segundo a polícia foi encontrado esperma do homem nas roupas da frentista e no carro de Israel.
“O laudo diz que não comprovou agressão porque não teve ruptura, não teve porque eu não era virgem mais e ele não usou com agressão. No laudo, não tem lesão em mim, mas mostra o esperma dele no banco do carro e nas minhas roupas”, declara questionando. “Se ele não fosse um policial tão renomado, será que estariam duvidando tanto de mim?”.
A reportagem questionou a Deam sobre o resultado do laudo e em resposta foi informado que no documento não constava lesão vaginal, tendo em vista que a vítima não era mais virgem e não tinha nenhum tipo de laceração.
“Ademais, todos os laudos foram encaminhados diretamente ao Poder Judiciário tendo em vista a finalização do inquérito policial com a identificação de esperma na calcinha, casaco, camiseta e calça da vítima todos da mesma pessoa do sexo masculino”, informou a polícia.
Perseguição – A vítima relata que a casa onde morava no Jardim Noroeste foi cercada. Pessoas foram até o posto onde ela trabalhava para saber de sua vida. Além disso, apreenderam o celular dela para tentar achar provas de que a denúncia não era verdadeira.
“Policiais foram no meu local de trabalhar tentar forçar o pessoal dizer eu fazia programa ou que era funcionária ruim. Tive meu celular apreendido para vasculharam minha vida, porque saiu boatos que tive um caso com Israel, tentaram entrar em contato com meus familiares para buscar algo de errado meu. Eu não podia nem ir na igreja porque estavam indo atrás dos irmãos da igreja para saber onde eu estava, foram perguntar sobre mim para minha pastora”, expõe.
Na tarde desta terça-feira (17), a vítima soube que Israel foi encontrado morto na casa onde morava no Bairro Coronel Antonino, em Campo Grande. Sobre o ocorrido, ela afirma que nunca desejou o mal ao policial.
“Eu não sabia quem ele era, não sabia que ele era policial e não queria prejudicar a carreira de ninguém. Só queria que ele pagasse porque ele me obrigou a fazer algo que eu não queria. Eu não desejava o mal dele, só queria que ele respondesse pelo que ele fez e todo mal que ele me causou.”
Após a notícia da morte de Israel, a vítima disse que fotos suas passaram a ser divulgadas em grupos de Whatsapp, onde policiais a xingam de “vagabunda”.
Conforme contou a vítima, a advogada de Israel entrou em contato com seus familiares e colegas de trabalho. “Foram atrás de todos que me conheciam buscando alguma coisa para me diminuir. Tive minha vida devassada para tentarem me diminuir e justificar a violência que eu sofri”, lamenta.
A advogada Alana Figueiredo respondeu que “não podemos ignorar que constantemente pessoas levem ao Judiciário e a mídia versões inexistentes. Eu, enquanto advogada, tinha um cliente que durante todo o tempo afirmava ser inocente. Procurei obter elementos de prova destinados à Constituição de um acervo probatório lícito, sendo que, entrei em contato com uma única pessoa, a ex-cunhada da suposta vítima. Mas, independente disso, não podemos desviar o foco daquilo que realmente importa, uma vida foi perdida provavelmente por conclusões precipitadas. Neste momento, a única coisa que posso é lamentar todo o acontecido e esperar o esclarecimento dos fatos pelas autoridades”.
Atualmente, de volta ao estado do Pará, a vítima faz acompanhamento psicológico. “Tenho que tomar remédios fortes para dormir. Eu sinto como se eu tivesse perdido um pedaço de mim, como se eu tivesse saído na terça para trabalhar e não tivesse voltado mais, as cenas se repetem na minha cabeça e sempre me pergunto por que isso aconteceu comigo. O que me dói mais é saber que quem era pra defender foi quem cometeu o crime”, finalizou.
Posicionamentos – Procurada pelo Campo Grande News, a Deam disse “que lamenta profundamente o que aconteceu com o policial e que quanto aos fatos apurados no inquérito policial, não tem nada a declarar, pois todas as informações relevantes foram narradas no seu relatório final e a veracidade dos fatos comprovadas em um inquérito de mais de 300 páginas. A denúncia oferecida pelo Ministério público e recebida pelo Poder Judiciário diante da materialidade e da justa causa do crime comprovada por inúmeras provas nos autos”.
Em nota, a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul lamentou a perda precoce do soldado Israel. “A PMMS expressa as mais profundas condolências à família do soldado PM Israel e espera que sua memória seja honrada de maneira justa e respeitosa. É necessário que a nossa sociedade se torne consciente da importância de preservar a integridade de todos os indivíduos e o devido processo legal, evitando prejulgamentos antes do trânsito em julgado da sentença. Os pensamentos da tropa estão com a família do soldado neste momento difícil. A PMMS externa condolências aos familiares, amigos, e colegas de farda, rogando a Deus que os conforte neste momento de dor”.