O GLOBO

SÃO PAULO — O Exército encerra nesta sexta-feira uma consulta pública para alterar regras de manuseio do nitrato de amônio, o produto químico que, em 2020, causou a explosão que destruiu parte de Beirute, capital do Líbano, ferindo milhares de pessoas e causando a morte de 100. A última alteração nas normas ocorreu em 2019 com a Portaria 147 e teve como objetivo distinguir o tratamento dado ao nitrato de amônio usado em fertilizantes do tipo usado como explosivo por setores como mineração e construção civil.

Mônica Rios Helvadjian, presidente de Associação Brasileira de Produtos Controlados, afirmou que a consulta pública, aberta em 19 de novembro passado, surpreendeu o setor. Segundo ela, a mudança sugerida pelo Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (APCE), órgão do Comando Logístico do Exército permite que o nitrato de amônio em concentração de explosivo seja manuseado a granel nos portos e áreas alfandegadas sem estabelecer quem, como e de que forma isso será feito. Hoje o manuseio a granel só é permitido para o insumo destinado a uso em fertilizantes, sem o grau de pureza do explosivo.

— O nitrato de amônio é uma preocupação internacional hoje porque é usado em atos terroristas e assaltos. É tratado como arma não convencional. É um insumo de grande importância e tem que ser controlado. A desburocratização da indústria não pode ser sinônimo de omissões, negligência e irresponsabilidade — afirmou Mônica.

A presidente da APCE afirmou que procurou a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados e que a explicação para a mudança é desburocratizar os trâmites para a indústria. Enquanto o nitrato de amônio para uso explosivo chega ao Brasil em big bags, com proteção, o insumo para fertilizantes chega nos porões de navios graneleiros. Ela explica que a Portaria 147 havia determinado também a rastreabilidade do tipo explosivo, mas a medida foi revogada em 2020, quando o presidente Jair Bolsonaro determinou a revogação de três portarias do Comando Logístico do Exército que haviam criado regras para facilitar o rastreamento de armas, munição e explosivos.

Na época, foi revogada a portaria que criava o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (SisNaR), que tinha como finalidade rastrear os produtos controlados pelo Exército (PCE), incluindo armas de fogo, munições e explosivos.

Mônica diz que mesmo as empresas supostamente beneficiadas pela mudança anunciada na consulta pública estão divididas, pois temem ter a imagem prejudicada em caso de acidente — sem rastreabilidade, dificilmente o responsável é identificado.

Segundo ela, o maior risco é para o Porto de Santos, no litoral paulista, onde chega 70% do nitrato de amônio importado.

— Havia um conselho consultivo, formado por técnicos das empresas, que auxiliava o DFPC. As alterações eram discutidas para encontrar formas de reduzir o impacto regulatório sem causar riscos à sociedade, mas todos os conselhos técnicos foram extintos no início da pandemia.

Mônica afirma que o Brasil tem apenas uma fabricante de nitrato de amônio em Cubatão, litoral paulista, e que das oito empresas que usam o produto como explosivo quatro são contra a mudança na lei, três são favoráveis e uma não opinou na consulta feita pela entidade. Ela lembra, porém, que pela Constituição o Exército pode fazer alterações sem consultar a sociedade.

— Não queremos que a Portaria 147 seja alterada e não há motivo que justifique a alteração. O agronegócio não tem qualquer problema para importar o produto, inclusive a taxa para importação é zero no uso em fertilizantes. Com a possibilidade de manuseio no porto do nitrato de amônio em concentração de explosivo o produto pode ser desviado ou manipulado incorretamente. O risco de uma explosão no porto é enorme — diz ela.

A presidente da APCE afirmou que Exército se dispôs, depois do término da consulta pública, a ouvir o mercado, mas isso não reduziu a preocupação do setor.

Ela lembra que a legislação brasileira em vigor foi usada até mesmo como modelo para outros países depois da megaexplosão em Beirute.

Em nota, a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) afirmou que o tema é muito importante e “necessita de um diálogo amplo, transparente, envolvendo todas as partes interessadas”.  A entidade disse ainda que segurança é um ponto de grande preocupação e que seus associados possuem compromisso histórico com a promoção de medidas para reduzir riscos e proteger a saúde humana e o meio ambiente.

Procurado, o Centro de Comunicação social do Exército informou que a minuta não é um produto final e a consulta pública oferece a oportunidade, democrática e igualitária, de todos se manifestarem. Disse ainda que todos os argumentos serão considerados durante a análise da  Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC), caso tenham sido apresentados durante a consulta pública.