Acordo na COP-26 será difícil, mas imperativo para evitar catástrofe

Encontro que começa hoje e pede planos mais agressivos contra o aquecimento do planeta esbarra em problemas internos de EUA e China e em retrocessos em países como o Brasil

Ativistas protestam em Glasgow antes da COP-26, que começa hoje: Meta de 1,5° C segue distante Foto: RUSSELL CHEYNE / REUTERS
O mundo chega à COP-26, a conferência da ONU sobre o clima que começa neste domingo em Glasgow, na Escócia, em ponto de ebulição: para evitar uma catástrofe, os países precisam adotar compromissos mais ambiciosos no combate ao aquecimento global. A magnitude das questões ainda pendentes e os obstáculos para resolvê-las, porém, levantam questionamentos sobre a probabilidade de sucesso do encontro de duas semanas.

Os dois maiores poluidores, a China e os Estados Unidos, não apenas atravessam o pior momento de sua relação bilateral em décadas, mas enfrentam desafios internos que ameaçam a implementação de suas metas climáticas. Outros importantes emissores de gases poluentes, por sua vez, não têm planos claros de como pretendem fazer sua transição verde. Há ainda um punhado de países, como o Brasil, que efetivamente retrocederam.

A COP acontece todos os anos, mas a edição de 2021 tem uma importância central. É nela que os países deverão revisar pela primeira vez as metas voluntárias de redução das emissões de gases causadores de efeito estufa assumidas no Acordo de Paris, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês).

O tratado vinculante de 2015 prevê que as promessas sejam revisadas e ampliadas a cada cinco anos, mas a COP-26 foi adiada por um ano devido à pandemia de Covid-19. Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, um dos pontos centrais da cúpula será ver se os países serão suficientemente ambiciosos em seus cortes de emissões. Quanto a isso, há sinais mistos.

Expectativas realistas

Antes do Acordo de Paris, o mundo caminhava para um aumento da temperatura global de 4° C ou 5° C até 2100, em comparação com o nível pré-Revolução Industrial — número que, segundo a ONU, cairia para 2,7°C levando em conta os compromissos atuais. Está, ainda assim, distante do 1,5° C necessário para evitar uma catástrofe, com a falência de ecossistemas e prejuízos à Humanidade.

Para manter o aquecimento do planeta na margem ideal, projeções apontam ser preciso neutralizar a emissão de dióxido de carbono até 2050. Vários dos maiores poluidores, como os EUA, a União Europeia e o Japão, atualizaram suas NDCs para se adequarem ao prazo. Outros dizem que vão fazê-lo, mas seus planos até 2030 ficam aquém do necessário.

— É como se estivessem esperando um milagre tecnológico que, de repente, lhes permitirá reduzir suas emissões muito mais rápido do que vêm fazendo — disse Mountford.

Este é o caso da Austrália, da Rússia e da Arábia Saudita, por exemplo. Também é a situação do Brasil, que tem os holofotes sobre si graças à catastrófica política ambiental do presidente Jair Bolsonaro.

Em 2020, ano de pandemia, as emissões planetárias caíram 7%, enquanto as brasileiras subiram 9,5%, impulsionadas pelo desmatamento. O país é também o único do G-20 (grupo das 20 maiores economias do planeta) com metas mais brandas que as adotadas em Paris: resultado de uma “pedalada” no cálculo da base que permitirá a emissão de 307 milhões de toneladas de CO2 a mais do que o permitido antes, segundo a ONU.

— O Brasil chega muito mal na COP, como o grande vilão — disse Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima. — Ninguém deveria levar a sério as promessas de um governo que destruiu o meio ambiente por três anos seguidos, mas agora jura que tudo vai ser diferente.

O inimigo mora dentro

As atenções também estão voltadas para os Estados Unidos do presidente Joe Biden, que busca se reposicionar no debate ambiental após quatro anos desastrosos sob o comando de Donald Trump. O plano democrata para cortar as emissões pela metade até 2030, contudo, está em xeque.

Por meses, Biden tentou aprovar um pacote de US$ 3,5 trilhões em investimentos socioambientais para custear a transição verde americana. A resistência de correligionários democratas o levou a cortar o plano para quase metade. Ainda assim, para não chegar a Glasgow de mãos vazias, ele manteve o programa de US$ 555 bilhões em créditos tributários para incentivar os americanos a adotarem veículos elétricos e diminuírem o uso do gás natural e do carvão.

— Ainda é o maior pacote de investimentos climáticos da história americana — ressalta Jamal Raad, da Evergreen Action, que busca pressionar a Casa Branca e o Congresso na pauta ambiental.

Ainda não está claro, porém, se o plano será aprovado. Com apenas a maioria simples, o partido não pode perder nenhum voto no Senado. Além disso, o novo pacote deixa de fora aquela que era a joia da coroa: o programa para o pagamento de energia limpa, que beneficiaria empresas de energia que fizessem sua transição segundo as regras e puniria as que não as cumprissem. Ele poria os EUA no caminho de uma matriz energética 80% limpa até o fim da década.

Segundo uma análise do Rhodium Group, os EUA terão como cumprir a promessa de reduzir suas emissões em 50% até 2030 mesmo sem essa medida. Para isso, será necessário combinar legislações federais, ordens executivas, diretrizes da Agência Ambiental Americana (EPA) e iniciativas estaduais, o que será mais demorado e difícil de implementar.

Guerra fria atrapalha

Outro ator importante é a China, responsável sozinha por quase um quarto das emissões atuais de gases-estufa. Na semana passada, Pequim submeteu novas NDCs, consolidando promessas já anunciadas antes: atingir o pico de emissões de dióxido de carbono antes de 2030 e neutralizá-las até 2060.

O plano chinês, contudo, é vago, e o aumento da produção de energia gerada pela queima de carvão para fazer frente aos apagões que atingiram o país na retomada pós-pandemia gera preocupações. O histórico recente de engajamento chinês nas questões multilaterais e ambientais, por outro lado, é mais sólido que o americano:

— Todos concordam que a China precisa fazer mais — disse Alex Wang, especialista em legislação ambiental chinesa da Universidade da Califórnia em Los Angeles. — Mas eles têm um programa abrangente e estão engajados [na transição] dos setores em que deveriam estar, como o energético e a construção civil.

O risco da guerra fria entre Pequim e Washington transbordar nas negociações também gera temores. Se em Paris ambos chegaram com boa vontade, o que possibilitou o acordo, hoje o clima é mais tenso. Outros debates caros aos emergentes também serão essenciais para dar o tom das negociações, como a criação do mercado de carbono global prometido no Acordo de Paris, e a garantia dos US$ 100 bilhões anuais para ajudar os países em desenvolvimento na transição verde.

Mais uma questão importante diz respeito às perdas e danos causados pelo aquecimento global. Países ricos resistem à demanda de nações vulneráveis e com baixas emissões, mas altamente impactadas pelas mudanças climáticas, como Estados africanos e as ilhas da Oceania que têm sua existência ameaçada — situação que lhes dá destaque no debate ambiental.

 

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