Referência no Palmeiras, Gustavo Scarpa encarna crítico literário no Instagram
Quanto aos outros torcedores, é a faceta literária de Scarpa que tem chamado a atenção. Ele se diferencia do que se espera de um jogador de futebol brasileiro ao ter se tornado, nos últimos quatro anos, um ávido leitor de literatura cabeça. E bota cabeça nisso.
Franz Kafka, Albert Camus, Isaac Asimov, Ernest Hemingway. A lista é longa e altamente qualificada. E, interessante, Scarpa comenta os livros que lê em sua conta no Instagram (@gustavoscarpa10). Produto de seu tempo, usa o típico linguajar das redes sociais do século 21.
“Maneiroooooo. Mlk inseto”, escreveu sobre “A Metamorfose” (1915), do tcheco Franz Kafka (1883-1924), um dos três autores mais importantes do século passado. “Mlk”, para quem não entende a língua das redes sociais, pode ser lido como “maluco” ou, neste caso, “moleque”.
“O primeiro que li nessa fase foi a biografia de Steve Jobs [2011], que minha tia deu no Natal de 2017. Gostei para caramba”, recorda Scarpa, nascido em Campinas, mas criado em Hortolândia, no interior de SP.
Andorinhas de Campinas, Estrelinha de Jaguariúna, Rio de Branco de Amparo e escolinha Bola de Ouro de Hortolândia. Foi em Campinas que Gustavo iniciou seus tratos com a bola, primeiro acompanhando seu pai, o seu Zezo, que treinava no clube Andorinhas. Depois, no futebol de salão do Guarani, passou a disputar campeonatos estaduais. Dos 9 aos 13 anos, jogou em vários times concomitantemente, como esses citados acima.
Antes de ganhar aquele presente da tia, houve outro momento de interesse pela leitura. Foi em 2009, quando o rapaz passou a se interessar mais pela religião evangélica e passou a ler a Bíblia. Esse é um hábito que ele não largou. Entre os 90 livros já lidos, uma boa parte é de autores cristãos e de livros religiosos. Aos domingos, quando não tem jogo, Scarpa frequenta a igreja.
Passou uma temporada de cinco anos no Fluminense e chegou ao Palmeiras quando tinha 24. Foi aí que as portas da percepção se abriram para Gustavo Scarpa. “Nosso preparador físico era o Pedro Jatene, que passou a me dar alguns livros e a indicar outros”. O primeiro título que ganhou de Jatene foi “O Médico e o Monstro” (1886), de Robert Louis Stevenson.
Machado de Assis, Mary Shelley, Anne Frank e George Orwell. Achou muito maneiro. “Depois li as ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ [1881] e ‘Dom Casmurro’ [1899], do Machado de Assis, ‘Caninos Brancos’ [1906, de Jack London] e a ‘Revolução dos Bichos’ [1945], que é um dos meus preferidos. Do George Orwell, também o ‘1984’ [1949].”
Scarpa não lê muito em casa. O tempo de leitura normalmente é o da viagem para outros estados ou países ao lado dos colegas de Palmeiras. “Leio muito em avião, no quarto, na concentração. Às vezes, até no vestiário antes do jogo, eu dou uma lida.” Scarpa, no entanto, se furta de ficar em cima dos parceiros para apresentar os livros que ama. “Já presenteei alguns, mas não fico enchendo o saco, né?”
Victor Hugo, Philip K. Dick, Dostoiévski e Shakespeare. “Me tornei uma pessoa que nunca achei que me tornaria”, diz. “Aquela que prefere o livro ao filme. Os amigos vivem me dizendo ‘mas você não prefere o filme? Tem imagens, dá para ver em vez de só imaginar’. Bom, aí eu fui assistir a alguns filmes de livros que já tinha lido. ‘O Caçador de Pipas’, achei fraquíssimo. Fiquei até inconformado. ‘O Clube da Luta’, não gostei. ‘Os Miseráveis’, então, nem se fala! Fizeram um musical, cara, achei triste”.
Falando em música, os talentos de Scarpa também chegam à guitarra. “Aprendi o violão, bem básico. Se eu disser as duas músicas que sei tocar, vai parecer que sou um monstro. É ‘Sultans of Swing’, do Dire Straits, e ‘Stairway to Heaven’, do Led Zeppelin. Mas são em versões bem simples, nem sei os solos. Na verdade, sei o primeiro solo de ‘Sultans of Swing’, fiquei muito emocionado quando aprendi. Gosto de louvor, rock e rap”, resume.
Scarpa já enfrentou as 1.000 páginas de “Os Irmãos Karamázov” (1880) e as 600 de “Crime e Castigo” (1866), o que, definitivamente, não é para qualquer um. Também se engalfinhou com “Hamlet” (1603), o príncipe da podre Dinamarca.
“Oh, estado abjeto e vil, coração negro e lúgubre, alma atolada, que se agita para escapar, mas se enterra inda mais. Venham, anjos!”, transcreveu o jogador em seu Instagram. E completou: “Achei a história sem graça, mas tem partes e frases legais kkkkk”.
Melhor sorte para o bardo inglês na próxima vez. Quanto aos palmeirenses, não precisam se preocupar. Gustavo Scarpa já está junto deles.
O CRÍTICO FUTEBOLISTA
Leia comentários de Scarpa publicados no Instagram
“Dom Casmurro”, de Machado de Assis – “Traiu kkkkkkkkk”
“A Revolução dos Bichos”, George Orwell – “Livro bem maneiro. Uma sátira interessante. Outra época e pá, mas maneiro. Garganta e Maricota me estressaram fiiiiiirme kkkkk”
“Breves Respostas para Grandes Questões”, de Stephen Hawking – “A viagem no tempo é possível? Legal esse capítulo”
“O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway – “Em maio, todos podemos ser pescadores. Currrrrrti”
“A Metamorfose”, de Franz Kafka – “Maneiroooooo. Mlk inseto”
“Steve Jobs”, de Walter Isaacson – “Fenômenoooo”
“Caninos Brancos”, de Jack London – “Livro muitoooooo bãaaaooo”
“O Sol É para Todos”, de Harper Lee – “Um dos livros mais legais. Bão demaisss”
“O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë – “Romance meio esquisito, angustiante, mas da hora kkkkk”
“Virando Séculos – A Corrida para o Século 21”, de Nicolau Sevcenko – “Muito maneiro!!!”
“Frankenstein”, de Mary Shelley – “Nunca imaginei que essa história fosse desse jeito. Muitooooooo bom”
“Eu, Robô”, de Isaac Asimov – “Muitooooo maneiro. Histórias de robôssssss”
“O Príncipe”, de Maquiavel – “Curtiiiii esse aqui. Não achei tão polêmico como falaram”