Reencontro com antigo desafeto trouxe Milton para o TJMS

Aposentado há 3 décadas, o oficial de justiça Milton Silva iniciou suas atividades no Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul no ano de 1957, ainda Estado de Mato Grosso, aos 25 anos de idade. Mas sua história em Campo Grande começou um pouco antes, quando ainda pequeno desembarcou de trem na estação ferroviária, na companhia de sua mãe e irmã mais velha, vindos de Ribeirão Preto para se juntarem ao pai, que já estava instalado e trabalhando na Usina do Córrego Ceroula, a primeira hidrelétrica da cidade.

Alguns anos depois, a família mudou para a Usina de Brotas. Embora muito trabalhador, ele conta que seu pai era um “turrão” e Milton sonhava com uma vida diferente. Se hospedou num hotel na cidade para concluir o ginásio. E tudo corria bem. Seu pai arcou com os gastos, até buscá-lo certa vez, no início das férias escolares, e acreditar na fala de um funcionário da escola sobre a suposta reprovação do filho. Embora a informação fosse falsa e o boletim comprovasse o contrário, o ocorrido foi suficiente para que o pai interrompesse o custeio dos estudos.

Mas Milton não quis regressar à usina e arrumou um emprego na empresa de energia elétrica de Campo Grande, na parte de manutenção de postes. O trabalho era cansativo e perigoso e a solidão de estar à própria sorte, também o fez sofrer.

E assim a vida dele foi se desenrolando. Cumpriu o serviço militar obrigatório na base aérea de Campo Grande. Lá fez um desafeto em uma briga feia motivada por uma brincadeira boba de jogar pedrinhas na poça d’água para molhar outros soldados.

Concluindo o ano, retornou ao ofício de eletricista, encontrou uma pensão mais em conta e próxima do trabalho e, por coincidências da vida, se tornou vizinho do seu desafeto da época de quartel. Chamado para consertar um problema na residência do rapaz, os ânimos entre eles se acalmaram um pouco. Mas a paz só foi selada no ano de 1953, quando Milton se casou com a irmã do antigo adversário.

Foi graças à concunhada (esposa do mais novo amigo e cunhado), funcionária do cartório do 2º Ofício da Capital, que veio a indicação para se tornar oficial de justiça e assim iniciar sua carreira de 33 anos no Judiciário. Fato que mudou definitivamente sua vida. “Nessa época eu trabalhava numa loja de construção. Meu patrão gostava de mim, inclusive tinha planos de abrir uma filial em Rondonópolis e me levar para lá. Mas eu era recém-casado, morava nos fundos da casa de meu sogro e não queria partir. Eu não tinha nada, então me tornar oficial de justiça foi tudo para mim”.

Apesar de Campo Grande não ser tão grande naquela época, Milton percorria tudo a pé, cumprindo os mandados. Até que, com a ajuda de um Juiz, conseguiu tirar uma bicicleta à prestação na loja de um português. O magistrado atestou a confiança do cliente que honrou religiosamente cada parcela.

Foram muitos os júris populares que Milton atuou. “Naquele tempo, em dia de julgamento não havia sessão na Câmara de Vereadores, pois o plenário era compartilhado pelas duas instituições. O júri tinha início sempre às 12 horas e seguíamos até acabar, muitas vezes madrugada adentro”.

Ele recorda que sempre atuava em dupla de oficiais de justiça nas sessões do júri, o que, aliás, ocorre até os dias atuais. “Na hora da votação dos termos de quesitação, cada oficial distribuía as cédulas com ‘sim’ ou ‘não’ e depois recolhíamos num saquinho as cédulas não utilizadas para a nova rodada. O Juiz abria os papéis em sua mesa, conferia o resultado e começávamos tudo de novo”.

Um dos júris mais emblemáticos que atuou como oficial de justiça foi outra coincidência em sua vida. Ele estava num domingo, com seu filho e um amigo, nas imediações da Rua 14 de julho, quando escutou tiros vindos de um bar famoso naquela época, que ficava próximo onde hoje funciona uma loja de departamento. Ele se apressou em retirá-los dali. “Estão matando gente!”

E de fato tratava-se de um crime de grande repercussão de um pai e dois filhos que mataram dois irmãos. Havia uma motivação por desentendimento religioso, segundo Milton. Os autores permaneceram foragidos por um tempo, mas graças à sagacidade de um policial muito bom que atuava na cidade, apelidado de Tatu, houve a captura dos três suspeitos. Um deles estava em Santos e, finalmente, o júri popular do trio foi realizado.

“O plenário lotou, muita gente ficou para fora e os trabalhos duraram quase 24 horas. Varamos aquela noite. Se um jurado ameaçava dormir, dávamos aquela cutucada e vinha um café para despertar. Já ultrapassava as 8, 9 horas da manhã do dia seguinte quando veio o veredito que culminou na condenação dos réus”.

Das infindáveis histórias de sua vida antes e durante o Judiciário que não caberiam aqui, fica a impressionante seriedade de Milton ao exercer uma das atribuições do cargo: a de garantir a inviolabilidade dos jurados. “Então começávamos o júri e eu lia o pregão, que já anunciava que a partir daquele momento os jurados estavam incomunicáveis. Em qualquer necessidade, deveriam se dirigir ao oficial de justiça. E assim eu interrompia o advogado quando tentava abordar um jurado. Eu também consultava o Juiz quando o jurado me solicitava para ir ao banheiro e o acompanhava. Mas a conversa deles era só comigo mesmo. Quem quer que desejasse se dirigir ao Conselho de Sentença, eu garantia que assim o fosse, até encerrar o julgamento”.

Autor da notícia: Secretaria de Comunicação 

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