Champions: Final entre Manchester City e Chelsea joga luz no choque entre global e local no futebol inglês

Sempre tolerantes à globalização de seus clubes, britânicos ligam alerta para abandono das raízes após Superliga Europeia
Torcedores do Chelsea foram às ruas protestar contra a criação da Superliga Foto: AFP
Torcedores do Chelsea foram às ruas protestar contra a criação da Superliga Foto: AFP
O GLOBO
RIO DE JANEIRO – A final da Liga dos Campeões, entre Manchester City e Chelsea, neste sábado, às 16h (de Brasília), no Estádio do Dragão, em Portugal, é mais do que a afirmação do futebol inglês. Trata-se da consolidação da força dos clubes globais. Um olhar superficial para os finalistas pode levar a desconfianças sobre sua nacionalidade.

Desde 2008, o City pertence ao Abu Dhabi United Group, do xeque Mansour Bin Zayed Al Nahyan, membro da família real dos Emirados Árabes. O presidente do clube, Khaldoon Al Mubarak, também é do país do Oriente Médio. Já o CEO é o espanhol Ferran Soriano. No elenco, os ingleses não chegam à metade. Há brasileiros, espanhóis, belgas, entre outras nacionalidades.

O plantel do Chelsea também é uma Babel. A fatia inglesa é ainda menor que no rival, não chegando a dez atletas. Já o proprietário do clube é desde 2003 o magnata russo do petróleo Roman Abramovich. (Continua após as fotos).

Sem restrições à participação de estrangeiros na estrutura societária e com uma cultura do futebol consolidada, a Premier League virou o campo mais fértil e lucrativo para investidores. Outros gigantes do país, como Liverpool, Arsenal e Manchester United, também se globalizaram. O processo, que até então nunca havia incomodado torcedores, ligou o sinal de alerta do país no mês passado com a tentativa de criação da Superliga Europeia.

— A meu ver, clubes grandes como Chelsea e Manchester City são multinacionais. Como a Superliga mostrou, os donos têm mais interesse nos torcedores de China, Austrália e Estados Unidos do que nos que vão aos estádios a cada duas semanas — opina o jornalista Andrew Downie, correspondente da Reuters no Brasil e autor do livro “Doctor Socrates”, biografia do ídolo e ex-jogador do Corinthians.

Das 12 agremiações que tentaram emplacar a Superliga, seis eram inglesas. Para os britânicos, o torneio com 20 equipes (sendo 15 blindadas do rebaixamento) tinha objetivo claro: virar as costas para os demais clubes e explorar ao máximo o mercado asiático, dono de muito dinheiro, mas que só se interessa por times badalados.

Torcedores foram à porta dos estádios e políticos se manifestaram contra a iniciativa. Os proprietários logo abandonaram o projeto. Mas o recuo não foi suficiente. O governo britânico criou um grupo de estudos para discutir a revisão da estrutura de governança do futebol.

O relatório final será entregue em outubro. Entre as pautas, está a avaliação de proprietários e diretores, o debate sobre sustentabilidade financeira e a busca por mais voz aos torcedores nas gestões. O Secretário de Estado para Cultura, Mídia e Esporte, Oliver Dowden, não descarta um órgão regulador e a importação de um modelo como o “50+1″, usado na Alemanha e que proíbe investidores de terem controle majoritário.

“Os clubes de futebol não são apenas empresas, eles definem as comunidades em todo o país”, disse Dowden em discurso ao parlamento.

A frase resume a relação dos ingleses com o futebol. E explica por que eles são capazes de aceitar a globalização de seus clubes sem perder o sentimento de pertencimento.

— Os clubes têm uma importância que vem da Revolução Industrial. Cada cidade produzia uma coisa, tinha sua identidade. E o clube era um representante dela — explica o jornalista Tim Vickery, correspondente da BBC Sports: — Hoje, com o fechamento das indústrias, as cidades não têm mais tantas identidades diferentes. Isso reforça mais ainda a importância dos clubes. Eles gritam que a cidade está no mapa. Por isso a ideia de os grandes virarem as costas para os outros é vista como uma grande traição.

Neste contexto, os proprietários, sejam da origem que for, são vistos como agregados da família. Mas o cerne é a torcida.

— Os torcedores do Liverpool, que apoiaram as famílias dos 96 mortos em Hillsborough, são uma coisa incrível — lembra Downie, referindo-se à tragédia provocada pela superlotação do estádio, numa partida em 1989: — Muitos clubes abriram portas para ser local de vacinação. Outros grupos de torcedores, com aval ou ajuda do clube, arrecadam comida para food banks (ONGs de doação de alimentos) na cidade local. Em dezembro, fazem campanhas para arrecadar presentes e comida aos mais pobres.

Com os jogadores, não é diferente. Há a compreensão de que um elenco qualificado inevitavelmente será multinacional. E os estrangeiros podem até se tornar ídolos. Mas a ligação com os atletas locais tende a ser mais forte.

— A relação da torcida do City com o Agüero é incrivelmente forte. Virou um cidadão honorário de Manchester. Mas você ter no elenco o (Phil) Folden, que é local e está brilhando, tem uma importância muito grande. Igual é o Mason (Mount) no Chelsea. O fato de ter um dos seus no time é muito importante — complementa Vickery.

Seja quem for o campeão, algum milionário estrangeiro ficará feliz neste sábado. Mas orgulho, só quem é de Manchester ou de Londres irá sentir.

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