Reitor diz que extinção da Uerj é ‘inconstitucional e inconcebível’; parlamentares negociam retirada do projeto
De autoria do deputado Anderson Moraes, proposta gerou reação imediata de acadêmicos e entidades de ensino
Rodrigo de Souza
O GLOBO
RIO — É “inconstitucional” e “estapafúrdio” o projeto de lei estadual que prevê a extinção da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), diz o reitor da universidade, Ricardo Lodi Ribeiro. De autoria do deputado Anderson Moraes (PSL), o PL 4.673/21, também pede a transferência dos alunos e do patrimônio da instituição para a iniciativa privada. A proposta foi publicada no Diário Oficial do estado no último dia 19, gerando uma onda de insatisfação entre alunos, acadêmicos e representantes de outras instituições de ensino e pesquisa.
— Esse projeto, além de inconstitucional (porque a Constiuição do Estado prevê a existência Uerj), é estapafúrdio, porque não reconhece a importância da universidade na área do desenvolvimento tecnológico e da inclusão social. O próprio presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), já disse que não pautará o projeto. O deputado que fez a proposta está muito mais disposto a acenar para grupos radicais, com fins eleitoriais, do que aprovar o texto — disse Lodi ao GLOBO. — Por outro lado, a gente entende que, mesmo sendo bizarra, a proposta representa uma parcela da sociedade, que é contrária ao projeto de universidade pública e gratuita, contra a ciência e contra a democracia.
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A reportagem apurou que o presidente da Alerj, deputado André Ceciliano, trabalha para convencer Moraes a retirar o projeto de lei. Protocolado em maio, o texto não tinha sido divulgado no Diário Oficial até a semana passada. Isso porque Ceciliano, ao saber da proposta, considerou que ela não dizia respeito às atribuições do Poder Legislativo, mas deveria vir por demanda do próprio Executivo, por tratar de uma possível alteração constitucional.
Moraes então reclamou a publicação de seu projeto no Diário Oficial, entendida por ele como um direito de parlamentar. Ceciliano atendeu o pedido de Moraes no dia 19 deste mês, mas agora articula a retirada do projeto numa negociação da qual também participa o reitor da Uerj, Ricardo Lodi. Embora tenha dito a O GLOBO que “não quer a extinção de nada”, Moraes ainda não tomou sua decisão.
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A proposição da pauta tem como pano de fundo uma insatisfação crescente de Moraes com a “perseguição” que alunos da universidade identificados com os posicionamentos do deputado têm sofrido dentro da instituição, conforme disse o parlamentar do PSL. Ele afirma já ter sido hostilizado por estudantes da Uerj em uma visita.
Moraes também diz que sua proposta se referia à privatização da área administrativa da instituição, com o objetivo de ampliar a oferta de vagas. Mas o texto divulgado no Diário Oficial não traz essa informação. Ele propõe autorizar “o Poder Executivo a extinguir a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e promover a cessão onerosa especial de uso de bens móveis e imóveis à iniciativa privada ou leilão (…), mantida a oferta de vagas atualmente existentes na Uerj, com previsão de bolsas de estudo para estudantes de baixa renda ou pobreza”.
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O projeto traz como justificativa a alegação de que a Uerj é “um dos órgãos estaduais que causa (sic) maior impacto no orçamento estadual” e defende a “libertação ideológica de nossos estudantes de nível superior”.
Defensor do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, o parlamentar provocou outras controvérsias no passado. Em abril deste ano, moveu uma ação popular que resultou na anulação de um decreto de medidas restritivas contra a Covid-19 assinado pelo prefeito Eduardo Paes. Em 2020, Moraes teve suas contas removidas do Facebook por criar perfis falsos. Ele também nomeou em seu gabinete a primeira mulher de Bolsonaro e mãe dos três primeiros filhos do presidente, Rogéria Bolsonaro, no cargo de “assistente parlamentar 4”, com um salário bruto superior a R$ 7 mil.
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Reações contrárias
O projeto de lei provocou uma pronta reação de entidades acadêmicas e outros institutos. Nesta segunda-feira, um conjunto de instituições de ensino e pesquisa do Estado do Rio publicou um manifesto que salienta que “a Uerj ocupa um lugar de destaque na educação de jovens e na produção científica nacional, tendo sido pioneira na introdução do sistema de cotas entre as universidades brasileiras, o que contribuiu para a aceleração do processo de inclusão no ambiente universitário”.
Assinada por dez reitores de universidades e institutos de ensino públicos fluminenses, como UFRJ, UFF e IFF, a nota destaca ainda que “a proposta vem no contexto de uma guerra cultural contra as Universidades e a Ciência, constituindo-se em um ataque não só à Uerj, mas a toda comunidade acadêmica e científica do Estado do Rio de Janeiro, que está mobilizada para a defesa da Universidade pública, gratuita, referenciada socialmente e de excelência”.
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“Estamos confiantes que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro não chancelará tal iniciativa, cuja aprovação constituiria grave prejuízo para a educação, a ciência, a tecnologia, o desenvolvimento econômico e a inclusão social em nosso estado e nosso país”, completa.
Ainda semana passada, a Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) lançou uma nota de repúdio intitulada “Em defesa do Estado do Rio de Janeiro”, em que ressalta que a proposta é “flagrantemente inconstitucional”, pois “o artigo 309 da Constituição Estadual claramente determina a existência da mais antiga universidade estadual fluminense”.
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Além disso, segundo a carta, o projeto “deixa evidente uma estratégia deliberada de destruição da pesquisa e da formação de profissionais de alta qualidade, até porque o autor da proposição também sugere que recursos da UERJ sejam canalizados para instituições de ensino privadas”.
“A SBPC lembra ainda que, além da qualidade dos cursos da Uerj, foi ela a primeira instituição de ensino superior a implantar, no Brasil, políticas de ação afirmativa, proporcionando o acesso de estudantes historicamente discriminados à educação de qualidade. Educação e Ciência serão pilares na recuperação do estado do Rio de Janeiro, e a Uerj é peça fundamental para esta recuperação e o desenvolvimento do estado. Por estas razões, a SBPC repudia essa tentativa de extinguir uma universidade amplamente respeitada e manifesta sua solidariedade ao Estado do Rio de Janeiro e a suas universidades, que tanto contribuem para seu desenvolvimento científico, cultural, social e econômico”, escreve a associação.
No último sábado, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop) também se manifestou contrariamente ao texto proposto por Moraes. Em nota, a entidade disse que “o projeto de desmantelamento deste patrimônio da Sociedade Fluminense e Brasileira é uma proposta por demais estapafúrdia”. O Foprop destaca ainda que a Uerj “figura como a única universidade estadual fora do Estado de São Paulo na lista das 15 instituições que mais produzem ciência no país, além de se destacar como a instituição de maior impacto na produção científica brasileira”.
“Por isso tudo, a Uerj é um modelo muito bem-sucedido de inclusão social, que vem transformando a vida de uma parcela da população comumente alijada deste espaço de produção de conhecimento científico e tecnológico”, finaliza a entidade.