De região dominada pelo turismo pesqueiro a polo industrial de papel e celulose, Costa Leste constrói sua nova identidade

Chegada do agronegócio e da agroindústria muda geografia estadual com a Costa Leste absorvendo o Bolsão e se tornando uma das regiões mais ricas do Estado

Jota Menon

Com chegada da silvicultura, Três Lagoas assumiu rapidamente a terceira posição no ranking populacional entre as cidades de MS _ Foto: divulgação

A região hoje denominada Costa Leste até a década de 1990 era conhecida como Bolsão de Mato Grosso do Sul, com os municípios de Três Lagoas e Paranaíba disputando a condição de “capital” regional.

O Bolsão era formado pelos municípios de Três Lagoas, Água Clara, Selvíria, Aparecida do Taboado, Paranaíba, Inocência, Cassilândia, Chapadão do Sul e Costa Rica. Por último, ganhou mais um município, o Paraíso das Águas, desmembrado de Costa Rica e Água Clara.

Apesar de ter menos de 50 mil habitantes, muitos moradores ainda chamam Paranaíba de “Capital do Bolsão” _ Foto: divulgação

A economia pautada na bovinocultura e o abandono a que foi relegado pelos governantes mato-grossenses fizeram com que o Bolsão vivesse um tamanho isolamento em relação às regiões mais desenvolvidas do então Mato Grosso indiviso que, mesmo após a criação de Mato Grosso do Sul, continuou a depender de municípios paulistas para suprir as suas mais óbvias necessidades.

Por décadas seguidas, São José do Rio Preto foi considerada “a capital” de toda aquela vasta região do então Sul de Mato Grosso. Era no interior paulista que os moradores buscavam atendimento em áreas essenciais como a saúde pública e a educação de nível superior.

Os grandes atacadistas de São José do Rio Preto, Araçatuba, Fernandópolis e Andradina, entre outras cidades da região, supriam o comércio de Três Lagoas e Paranaíba que, por sua vez, redistribuíam os produtos aos demais municípios, castigando duramente o consumidor final que pagava pelos produtos praticamente o dobro do preço praticado no interior paulista.

TURISMO DE LAZER E PESQUEIRO – A criação do Complexo Hidroenergético de Urubupungá, formado pelas usinas hidrelétricas de Ilha Solteira, Jupiá e Dois irmãos, resultou no represamento do Rio Paraná, gerando o alagamento de uma grande área de terras até então usadas para a atividade agropastoril.

UHE Ilha Solteira, no rio Paraná: relevante e estratégica para o Sistema Elétrico

UHE Ilha Solteira, no rio Paraná: relevante e estratégica para o Sistema Elétrico Brasileiro- (Foto: CTG Brasil)

Com as obras iniciadas em meados da década de 1960, o complexo hidrelétrico foi entregue em 1978, ano em que Mato Grosso do Sul elegeu sua primeira bancada federal e os primeiros deputados estaduais que foram responsáveis pela elaboração da primeira Constituição do Estado, instalado oficialmente em 1º de janeiro de 1979.

Balneário municipal de Três Lagoas _ divulgação

Com recursos obtidos em demandas judiciais travadas contra a Cesp (Companhia Energética de São Paulo), as prefeituras dos municípios sul-mato-grossenses afetados pelo Lago de Urubupungá deram início a uma nova atividade econômica na região: o turismo de lazer e o pesqueiro, atividades que se firmaram a partir da construção de balneários públicos e privados e de ranchos ao longo de toda a costa do lago do Rio Paraná, no lado sul-mato-grossense.

Essa nova atividade econômica provocou uma ruptura na região do Bolsão com o surgimento da região da Costa Leste formada pelos municípios de Três Lagoas, Selvíria, Brasilândia, Bataguassu, Santa Rita do Pardo, Anaurilândia, Taquaruçu e Nova Andradina, alguns destes municípios não pertencentes ao antigo Bolsão, mas localizados ao Leste de Mato Grosso do Sul.

Alcoolvale foi uma das primeiras grandes indústrias instaladas na região _ Foto: divulgação

APARECIDA DO TABOADO – Não dá para continuar contando a história desses municípios que juntos formam, de fato, a Região Noroeste de Mato Grosso do Sul, sem abrir um parêntese para registrar o pioneirismo de Aparecida do Taboado no processo de industrialização do interior de Mato Grosso do Sul.

Em 1979, junto com a instalação do Estado de Mato Grosso do Sul, foi instalada na cidade dos “60 Dias Apaixonado” a fábrica da Coca-Cola, maior fabricante de refrigerantes do mundo.

No ano seguinte, agosto de 1980, era oficialmente criada a Alcoolvale, umas das usinas sucroalcooleiras pioneiras no interior de Mato Grosso do Sul e que, junto com a Coca-Cola, promoveu uma mudança significativa na cidade, à época, com menos de 10 mil habitantes.

TRANSFORMAÇÃO – A realidade regional, contudo, só começou a passar por uma pequena metamorfose quando Três Lagoas, logo após a virada do milênio, foi escolhida para receber a Votorantim Celulose e Papel (VCP), à época, considerada a maior fábrica de papel e celulose do mundo.

À época, maior fábrica de papel e celulose do mundo, Votorantim Celulose e Papel começou a operar em 2009 no município de Três Lagoas _ Foto: divulgação 

De cara, a planta industrial ofertou mais de dois mil empregos diretos e outros tantos empregos indiretos, gerando, à época, um aumento de 300% no Produto Interno Bruto (PIB) do município e fazendo o Estado dar um grande salto no seu crescimento econômico que foi de 13,5% no ano de 2009, quando da inauguração da fábrica.

Desde a chegada da primeira indústria até a década atual, o município e a região viveram uma completa transformação com novos empreendimentos industriais do setor sendo criados no município, além dos incontáveis empreendimentos de pequeno e médio portes que surgem para dar suporte aos empreendimentos maiores.

Canteiro de obras de fábrica de celulose que está sendo construída em Ribas do Rio Pardo — Foto Suzano/divulgação

INFLUÊNCIA REGIONAL – As grandes plantações de eucaliptos nos municípios localizados no entorno de Três Lagoas, inicialmente cultivadas para atender a demanda da indústria instalada nesse município, acabaram despertando o interesse de outras gigantes da área de produção de papel e celulose pela região e, numa sequência inimaginada pelos governantes, megaempreendimentos industriais chegaram a Água Clara, Ribas do Rio Pardo e Inocência.

Nesses municípios e na região nada mais hoje é como era antes.

As cidades viram sua população, e seu problemas, aumentarem vertiginosamente.

Três Lagoas, que havia empacado na casa dos 80 mil habitantes, no espaço de cinco anos rompeu a barreira dos 100 mil habitantes e tomou de Corumbá a terceira posição no ranking das cidades mais populosas do Estado.

Ribas do Rio Pardo tem hoje um população flutuante de 10 mil pessoas, equivalente a quase metade de sua população total de pouco mais de 22 mil habitantes. Esse grupo de “flutuantes” transformou a capital do Estado, Campo Grande, a 95 km de distância, em sua “cidade dormitório”.

A mesma realidade se verifica em Inocência, a 320 km da Capital, onde os administradores municipais projetam duplicar a população até 2010, passando dos atuais 10 mil para 20 mil moradores.

Atualmente, a população flutuante de Inocência, estimada em mais de duas mil pessoas, utiliza Paranaíba, a 80 km, como sua cidade dormitório.

Plantações de eucalipto somam centenas de milhares de hectares mudando a paisagem entre Ribas do Rio Pardo e Três Lagos _ Divulgação

FLORESTAS DE EUCALIPTO – A área plantada de florestas de eucalipto em Mato Grosso do Sul deverá crescer pelo menos 300 mil hectares até o fim do ano.

Conforme dados da Associação Sul-Mato-Grossense de Produtores e Consumidores de Florestas Plantadas (Reflore-MS), no início do ano, a área plantada do Estado era de aproximadamente 1,4 milhão de hectares e, com o acréscimo, até o fim de 2023, a área destinada à silvicultura chegará a 1,7 milhão de hectares.

No início do ano, o secretário de estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, afirmou que a expansão da silvicultura em Mato Grosso do Sul será tão grande que a base econômica do Estado mudará: haverá mais eucalipto para celulose e menos soja no cenário de exportação a partir de 2025. A mudança tornará Ribas do Rio Pardo a “capital mundial do eucalipto”.

Verruck informa que o avanço da área plantada de eucalipto não será voltado exclusivamente para a elevação das exportações da celulose. Segundo ele, a ampliação do maciço florestal também será útil para a criação de um polo moveleiro com a produção de mais madeira, além beneficiar a produção de energia por meio de biomassa de eucalipto.

Certo mesmo é que, se em um ano serão 300 mil hectares, significa que diariamente serão plantados cerca de 822 hectares de eucalipto. “O plantio de eucalipto em Ribas do Rio Pardo terá um raio de 60 km. A base econômica vai mudar e, com isso, até 35% de toda a celulose comercializada pelo Brasil sairá de Mato Grosso do Sul”, disse Verruck.

Obras da Arauco em Inocência _ Divulgação

A meta de chegar a 2 milhões de hectares de eucalipto, prevista para 2030, deve ser antecipada, principalmente por causa da fábrica de celulose Arauco, em Inocência.

Há, ainda, a área plantada da Bracel, em Água Clara, além das fábricas da Eldorado Brasil e da Suzano, em Três Lagoas, e da nova unidade –também da Suzano – em Ribas do Rio Pardo.

Mato Grosso do Sul tem a segunda maior área plantada de eucalipto do Brasil e ultrapassará Minas Gerais, com 2 milhões de hectares, ainda nesta década, informa o secretário bastante otimista com o boom da silvicultura no Estado.

RODOVIA DOS TREMINHÕES – A BR-262, cuja pavimentação asfáltica teve início na década de 1960, com o trecho Vitória (ES) a Belo Horizonte (MG) sendo entregue em 1968, só ganhou asfalto no trecho de Três Lagoas a Corumbá entre as décadas 1980/1990.

Tráfego de veículos pesados é intenso em toda a extensão da BR-262 _ Foto: divulgação

Com a capa asfáltica completamente deteriorada, além da reconstrução da atual malha, motoristas e empreendedores pedem a duplicação de pista em caráter de urgência.

Diariamente, centenas de caminhões, bitrens e treminhões trafegam carregados com de toras de eucalipto para abastecer fábricas gigantescas de papel e celulose em Três Lagoas e Água Clara.

Essa movimentação tende a se multiplicar nos próximos anos, assim que forem concluídas as obras e se iniciarem a produção de papel e celulose na Arauco, empresa chilena que está construindo sua fábrica em Inocência, e na Suzano, em Ribas do Rio Pardo, que tem projeção de iniciar a produção fabril já em 2024.

SUPERPOPULAÇÃO E PROBLEMAS – Em comum nesses municípios, a industrialização trouxe a esperada bola de neve positiva que o aumento populacional traz naturalmente: a abertura de inúmeros micro, pequenos e médios novos empreendimentos urbanos, gerando emprego e renda e fazendo circular um montante milionário de recursos em toda a cidade e região. Com isso, milhares de brasileiros e brasileiras procuram esses novos eldorados para tentar a sorte.

Porém, traz, também, uma série de problemas para a população tradicional e para os governantes, eis que os estabelecimentos escolares não conseguem ofertar vagas à nova clientela de crianças e adolescentes em idade escolar; os estabelecimentos de saúde que já não ofereciam atendimento de qualidade aos moradores tradicionais, se tornam completamente defasados diante da nova realidade de uma “superpopulação”.

Tudo isto, sem falar no aumento da violência, em todos os níveis.

É certo que nenhum administrador gosta de admitir, mas que estes problemas chegam junto com cada caminhão de mudança que aporta na cidade, isso ninguém pode negar.

Ribas do Rio Pardo tem 10 mil moradores temporários — Foto: Prefeitura de Ribas do Rio PardoRibas do Rio Pardo tem 10 mil moradores temporários — Foto: Prefeitura de Ribas do Rio Pardo

REGIÃO DO BOLSÃO – Ainda há uma resistência popular quanto aderir ou não à região da Costa Leste, unificando novamente a região, haja vista que o “Bolsão Autêntico e Resistente” já integra a Rota dos Eucaliptos com Inocência que terá em breve a maior indústria de papel e celulose do mundo funcionando em seu território.

Com Chapadão do Sul, Costa Rica, Paraíso das Águas e Cassilândia na lista dos grandes produtores do grãos no Estado; Paranaíba e Aparecida do Taboado, municípios semi industrializados, e, assim como Inocência, com um significativa produção de grãos, caso a resistência seja quebrada, haverá uma pequena adequação na Divisão Geográfica de Mato Grosso do Sul e a Costa Leste se tornará uma das mais ricas, senão a mais rica, região heterogênea de Mato Grosso do Sul.

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