‘Junho Violeta’ conscientiza população sobre prevenção do Ceratocone e importância da doação de córnea
Fotos: Bruno Rezende/divulgação/SES
Kamilla Ratier
O Governo do Estado, por meio da SES (Secretaria de Estado de Saúde) e CET/MS (Central Estadual de Transplantes de Mato Grosso do Sul), aproveita a campanha ‘Junho Violeta’, criada para a prevenção do Ceratocone – doença oftalmológica –, para lembrar a população da importância da doação de um tecido essencial para a visão: a córnea.
A córnea é uma camada fina e transparente que cobre toda a frente do globo ocular. É totalmente transparente para que a luz, as imagens possam entrar e chegar no fundo do olho, onde ela é processada e mandada para o cérebro. Comparando o olho a um relógio, a córnea é como se fosse o vidro do relógio.
Conforme o diretor do Banco de Olhos da Associação Beneficente Santa Casa de Campo Grande, Marcos Rogério Mistro Piccinin, existe várias doenças que podem comprometer a córnea. “Algumas doenças podem deixar a córnea às vezes opaca, às vezes deformada e nessas situações pode ser necessário um transplante de córnea, trocar essa córnea, trocar essa camada do olho para que a pessoa volte a enxergar”, explica Piccinin.
A parte mais importante de todo esse caminho é a família do ente falecido se conscientizar de que ela pode doar a córnea e fazer com que pessoas que não estão enxergando, pessoas que estão vivendo de forma precária pela falta da visão, voltem a ter visão. Então o primeiro passo é a doação.
A córnea é uma camada fina e transparente que cobre toda a frente do globo ocular
O Banco de Olhos da Santa Casa é o responsável no Mato Grosso do Sul pela captação, processamento, conservação e liberação do tecido ocular humano para realização do transplante de córneas. Assim que a família doa as córneas, o banco de olhos é o responsável por todo o processo. Uma equipe médica especializada avalia o tecido ocular doado e são realizados exames de sorologia para verificar se o mesmo não possui qualquer infecção que possa ser transmitida através da córnea para o receptor, para a pessoa que vai receber a córnea.
“Assim que a córnea foi avaliada, foi vista que é boa, os exames estão todos negativos, essa córnea é liberada para a Central Estadual de Transplantes que é quem faz a distribuição das córneas, conforme a fila de espera dos pacientes”.
Entre os meses de janeiro e junho de 2023 foram realizados 79 transplantes de córneas no estado e, de acordo com dados da CET/MS, 427 pacientes ainda aguardam na fila para o transplante de córnea.
“Atualmente estamos em uma situação não confortável, está demorando de um a dois anos para conseguirmos uma córnea para fazer o transplante. Então é fundamental que as pessoas se conscientizem da necessidade de doarem as córneas dos pacientes, dos seus entes queridos que se foram, só dessa forma, através da doação que vamos conseguir novamente zerar a fila, não deixar paciente sofrendo por um, dois anos para conseguir uma córnea e dar uma qualidade de vida melhor a essas pessoas que estão passando tantas necessidades por não conseguir enxergar”, alerta o médico.
E foi em virtude das doações já realizadas que a gerente de Cadastro e Lotação da SES, Josiane Pereira Lima, teve a oportunidade de ter sua qualidade de vida renovada após três transplantes de córneas. Josiane tem Ceratocone, doença oftalmológica causada por fatores genéticos e ambientais que comprometem a estrutura da córnea.
“Eu nasci com uma deformidade genética chamada Ceratocone, fui tratada como Astigmatismo até os 14 anos, em seguida passei por um especialista na doença e iniciei tratamento com lentes rígidas. Mas o meu caso é mais grave e as lentes não paravam e aos 20 anos passei pelo meu primeiro transplante de córnea”.
Segundo o médico oftalmologista, Vitor Montanholi Martins, o Ceratone, em estágio inicial tem controle. “Procedimentos mais simples fazem com que a pessoa enxergue e controle a doença. Agora, em casos mais graves, o transplante de córnea acaba sendo o último tratamento para devolver a visão para esses pacientes”.
A gerente conta que, no estado, só existe mais um caso como o dela, em que a doença não estabiliza após o transplante da córnea. “A tendência é que nosso hormônio do crescimento tenha uma diminuição e no meu caso ele continuou normal, é como a córnea transplantada fosse “empurrada” e acaba criando novamente uma deformidade, ou seja, não estabiliza”, explica.
Os transplantes de córneas deram oportunidade para que ela conseguisse seguir em frente e ter uma vida normal. “Essas doações me proporcionaram possibilidades. Fiz faculdade, tenho pós-graduação, estou terminando o mestrado e trabalho o dia inteiro a frente do computador. Ainda hoje uso óculos com 17,5 graus, não vivo sem o óculo, mas o transplante funciona, é algo que soluciona a vida da pessoa. A minha, não tenho nem o que falar. A minha vida é normal, tiveram uns períodos de convalescência por causa da cirurgia, você precisa passar pelo processo de recuperação, mas não impediu de fazer qualquer coisa”, comemora.
Conforme a coordenadora da CET/MS, Claire Carmen Miozzo, a cada dez entrevistas realizadas, entre sete e oito famílias negam a doação, seja pela falta de conhecimento ou comunicação.
“Quem doa é a família, então a família tem que saber que você é um doador de órgãos e tecidos. Primeira coisa que precisa ser feita é conversar com a sua família, se a sua família não souber que você é doador, ela vai dizer não. Uma única conversa com menos de dois minutos feita em vida, salva várias vidas. Muitas famílias doam mesmo sem saber da vontade da pessoa”, afirma Claire.
Para o diretor do Banco de Olhos, é fundamental que se fale mais sobre transplante, sobre doação. “Como tudo na vida, só conseguimos nos envolver, só consegue, neste caso, fazer as doações se estivermos informados a respeito, se estivermos cientes a respeito da importância do transplante de córnea, da importância de se fazer a doação, do número de pessoas que estão aguardando um transplante, da situação tão ruim que é ficar na situação de aguardar um órgão, um tecido ocular. É de suma importância falarmos o tempo todo sobre doações, sobre a importância de sermos caridosos nesse sentido de doar os órgãos, de doar os tecidos dos nossos entes que vieram a óbito para as pessoas que estão necessitadas”, garante Marcos.
Em decorrência da gravidade da sua doença, Josiane, aos 45 anos, passa por exames para, mais uma vez, entrar na fila para a realização do quarto transplante de córnea.
Josiane Pereira Lima voltou a ter sua qualidade de vida após o transplante de córneas
“Se tivesse a oportunidade de as famílias dos doadores saberem o quanto eu sou grata, o quanto fizeram minha vida melhor, e eu tenho certeza que fizeram a vida de muitas pessoas melhor fazendo a minha melhor. Por essas oportunidades eu comecei a ver a vida de uma forma diferente, essas doações não atingiram somente a mim, elas derrubam barreiras, a gente muda o comportamento, a forma de agir, então essas famílias, às vezes, não têm noção do que uma córnea, que é algo simples, de como pode transformar vidas. Acho que a doação de córnea se torna um pouco mais fácil de convencer a partir do momento que a pessoa entende que é um tecido, é um pedacinho. Se conseguirmos chegar nas pessoas para entenderem que é simplesmente a coleta de um material muito fino, seria muito mais fácil, teríamos muito mais doações”, declara.
Diálogo aberto quanto a doação de órgãos
Um diálogo franco e aberto entre o doador e a sua família, para que manifeste de forma clara e objetiva, a sua vontade à doação. A coordenadora estadual da Central de Transplantes da SES, Claire Miozzo, fala sobre a importância de manter essa conversa e que as pessoas entendam sobre a necessidade de se tornarem doadoras.
“As pessoas não conversam sobre a doação de órgãos e tecidos, quando morrem, cabe a família autorizar a doação. Durante a acolhida entrevistamos o familiar e damos o direito de a família decidir pela doação. Muitas vezes, quando dizem ‘não’, a maioria é porque desconhece a vontade de quem foi a óbito. Se isso for deixado claro em vida com a família, ela vai autorizar”, explica a coordenadora.
Assim, o serviço de acolhimento é feito por pessoas treinadas, que passam por capacitações da Central de Transplantes, a fim da família entender todo o processo de morte encefálica e o direito de autorizar ou não, a de doação órgãos e tecidos. No caso das córneas, elas podem ser transplantadas em até 14 dias após a doação.
Não deixe de informar à sua família o seu desejo de ser um doador de órgãos e tecidos. Doe vida!