“A defesa da democracia está em jogo”, diz Joe Biden
Em discurso à nação, o presidente dos EUA afirma que tomou a decisão de não disputar a reeleição para unir o Partido Democrata. Ele revela que chegou o momento de dar lugar a “jovens vozes” e promete manter o foco nos seis meses finais de governo
Pouco mais de 72 horas depois de comunicar sua desistência de disputar as eleições de 5 de novembro e tentar um segundo mandato, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, escolheu o Salão Oval da Casa Branca para explicar à nação os motivos de sua decisão. “Tem sido a honra de minha vida servir como seu presidente. Mas a defesa da democracia, que está em jogo, é mais importante do qualquer título”, declarou. Segundo ele, a tarefa de proteger a democracia se trata do futuro e dos norte-americanos enquanto povo.
“Há um tempo e um lugar para longos anos de experiência na vida pública. Também há um tempo e um lugar para novas vozes, vozes frescas, sim, vozes jovens. A hora e o local são agora”, admitiu, ao acrescentar que abandonou a corrida por um segundo mandato para “unir” o Partido Democrata.
Biden advertiu que o país vive um ponto de inflexão. “A América está chamada a escolher entre mover adiante e retroceder, entre a esperança e o ódio, entre a união e a divisão”, disse, em clara referência ao magnata e candidato republicano Donald Trump. Ele contou que, nos últimos dias, ficou evidente a urgência de unificar os democratas em torno “dessa odisseia importante”. “Eu decidi que a melhor forma de seguir adiante é passar a tocha para uma nova geração. Essa é a melhor maneira de unir nossa nação”, explicou.
O líder norte-americano afirmou que, nos próximos seis meses, manterá o foco em seu trabalho como presidente. Prometeu desenvolver a economia, proteger as liberdades individuais e os direitos civis, combater o ódio e o extremismo e assegurar que a violência política não tenha lugar nos EUA. Também destacou que trabalhará por uma reforma na Suprema Corte dos Estados Unidos. “Nós continuaremos a trabalhar para garantir que os EUA permaneçam fortes e líderes do mundo livre.”
Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP, acredita que, no discurso, Biden deixou bem claro que decidiu abandonar os planos de reeleição para tentar unificar o Partido Democrata. “Ele sabe que é um momento crucial para os Estados Unidos. Também sinaliza que a idade foi um fator importante, ao falar que é hora de passar a tocha para pessoas mais novas, independente das ambições pessoais”, explicou ao Correio. “O pronunciamento mostrou que ele sofreu a pressão do partido. Por outro lado, Biden elogiou Kamala Harris e sublinhou que a indicação da vice foi uma escolha dele. O presidente tentou equilibrar o discurso de que sua liderança foi colocada sob pressão, mas que a escolha final foi dele.”
“Momento crucial”
Para Holzhacker, Biden deu forte ênfase de que os Estados Unidos enfrentam um momento crucual, e que os perigos contra a democracia ainda estão presentes. “Por isso, procurou colocar seu sacrifício pessoal para garnatir o bem-estar e a liberdade do povo norte-americano acima de tudo”, comentou. Ela viu uma tentativa do democrata de se alinhar ao discurso de Kamala sobre a necessidade de uma mobilização contra os perigos apresentados por Trump.
“É importante, também, ressaltar que parte importante do discurso foi garantir que ele se mantém como presidente e que ainda tem muitas iniciativas internas e externas para trabalhar”, disse a professora da ESPM. Nesse sentido, ela visualiza a preocupação de Biden com o fato de políticos republicanos questionarem sua capacidade de se manter à frente do Salão Oval da Casa Branca.
Por sua vez, James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (Rhode Island), avaliou o discurso como “digno”. “Ele mostrou que ainda é um político e um presidente competente. A parte sobre a defesa da democracia é fundamental, no momento em que a extrema direita cresce em todo o mundo”, explicou ao Correio.
Adversários partem para a ofensiva
Na tarde desta quarta-feira (24/7), pouco antes do pronunciamento de Joe Biden, a vice Kamala Harris, potencial candidata à nomeação pelo Partido Democrata, tornou a render homenagar o presidente norte-americano. “Quero compartilhar com vocês o que sei dele, com base em minha experiência pessoal. Joe Biden é um líder com uma visão de ousadia sobre o futuro. Ele tem uma determinação extraordinária e profunda compaixão com o povo de nosso país. (…) Somos profundamente gratos por seu trabalho pela nossa nação”, declarou Kamala em evento da Zeta Phi Beta Sorority Inc., uma das organizações mais antigas do movimento negro, em Indianápolis. “Nós partilhamos uma visão de futuro, no qual cada pessoa não apenas sobreviva, mas prospere. Um futuro de justiça social, econômica e sanitária.”
De acordo com Kamala, os Estados Unidos necessitam da liderança do movimento negro, mais uma vez. “Enfrentamos uma escolha entre duas visões diferentes: uma focada no futuro, outra no passado. Com seu apoio, eu os convido para o futuro da nação”, disse a democrata, que acusou Trump de querer fazer os Estados Unidos regressarem a um “passado sombrio”. “Esses extremistas querem nos atrasar, mas não vamos retroceder”, ressaltou. “Quando nós lutamos, vencemos.”
Trump escolheu Charlotte (Carolina do Norte) para o primeiro comício desde a desistência de Biden, no último domingo, e acusou Kamala de querer “executar” bebês — uma referência à defesa do aborto. “Ela quer abortos no oitavo e nono mês de gravidez, até o nascimento e até mesmo após o nascimento, executar bebês”, disse o candidato republicano.
Lunática de esquerda
O republicano chamou Kamala de “lunática radical de esquerda que destruirá o país”. Segundo ele, a vice de Biden permitiu a entrada de “terroristas” nos EUA. “Temos centenas e milhares de terroristas ingressando em nosso país, de todos os lugares do mundo”, declarou, antes de citar casos de estupro e assassinato supostamente cometidos por imigrantes. “Kamala cometeu crimes e não deveria ter a permissão de disputar a Presidência dos EUA.” Trump também classificou Kamala de “a força motriz ultraliberal por trás de cada catástrofe de Biden”.
Em entrevista ao Correio, Charles Stewart III — professor de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) — disse que Kamala usará os próximos 104 dias para destacar suas qualificações como política com experiência necessária para desafiar Trump. “Ela escolherá um candidato a vice que adote uma abordagem mais agressiva para contra-atacar os republicanos. Trump será como sempre foi: uma pessoa indisciplinada, que está mais interessada em defender a sua posição do que em desenvolver a sua coligação política.” (RC)
Fonte: Correio Braziliense