Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais pedem inclusão do Cerrado na regulação europeia

ISPN, Apib, Rede Cerrado e WWF estão em agenda na Europa para demandar que áreas não florestais, como o Cerrado, sejam incluídas na regulação europeia contra o desmatamento (EUDR)

 

Isabel Figueiredo, do ISPN, com Samuel Caetano, do CNPCT, Bianca Nakamoto, do WWF, e Eliane Xunakalo da Apib, em evento cultural em Amsterdã. Teve debate sobre o Cerrado e seus povos e apresentação das fotografias do fotógrafo indígena Kamikiá Kisedje.

De 10 a 22 de março, o Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN) participa, com o WWF-Brasil, de uma comitiva liderada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Rede Cerrado em três capitais europeias: Amsterdã, Paris e Bruxelas.
O grupo realiza uma viagem de incidência política com o objetivo de defender a inclusão dos ecossistemas não florestais (Other wooded lands – OWL, em inglês) na regulação contra o desmatamento da União Europeia (EUDR), que busca impedir a importação de commodities que tenham relação com desmatamento.
No primeiro dia da viagem (11/03), a comitiva esteve no Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade de Amsterdã para apresentar o Cerrado, seus povos e natureza, e como tudo isso está ameaçado pelo agronegócio. Dados indicam que mais de 80% do desmatamento ‘importado’ para a União Europeia está concentrado em seis commodities, com destaque para soja e carne bovina, que são particularmente prejudiciais ao bioma Cerrado.

Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, e Lourdes Nascimento, da Rede Cerrado, no Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade de Amsterdã. Foto: Kamikia Kisedje/Apib

À noite, o debate “Cerrado, joia esquecida”, no centro cultural Pakhuis de Zwijger, buscou soluções para proteger o bioma brasileiro e outros tão vitais quanto ele. O que os Países Baixos e outros países europeus podem fazer para ajudar a deter a destruição do Cerrado? – foi a pergunta que ficou para os participantes responderem. Houve também apresentação das fotografias do fotógrafo indígena Kamikiá Kisedje e de produtos do Cerrado.

Evento sobre o Cerrado com público de mais de 100 pessoas em Amsterdã, Holanda. Foto: Kamikia Kisedje/Apib

Na terça-feira (12/03), uma reunião com a maior rede de supermercados da Holanda, a Albert Heijn, destacou o compromisso da rede varejista de zero desmatamento na conversão da sua cadeia de suprimentos até 2025. “Conversamos sobre os desafios de chegar nessa meta e como reverberar para outras companhias em grande escala”, explicou a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do IPSN, Isabel Figueiredo.

Reunião com representantes do governo holandês. Foto: Kamikia Kisedje/Apib

No mesmo dia, a comitiva teve reuniões com representantes dos Ministérios da Alimentação e Agricultura e do Comércio Internacional da Holanda. Também participaram ONGs ambientalistas holandesas.
“Afirmamos nosso interesse em apoiar a implementação da legislação e a nossa demanda para que o Cerrado e outras áreas não-florestais sejam incluídas. Os representantes do governo disseram que a Holanda já firmou posição a favor da inclusão de outros ecossistemas e commodities. Solicitamos que direitos humanos e outras questões sociais sejam consideradas. Existem ainda muitas incertezas sobre os sistemas de monitoramento de conformidade com a legislação nacional e a aplicação de critérios de salvaguarda socioambientais na normativa europeia”, relatou Isabel Figueiredo.
Nesta quarta-feira (13/03), o grupo visitou uma fazenda biodinâmica de pecuária e laticínios que produz alimento para os animais in loco e, portanto, não importa soja do desmatamento para elaborar a ração dos animais.
“A alimentação das vacas é produzida na própria fazenda: trigo, aveia, milho, trevo e ervilha. Ou seja, não utilizam soja do desmatamento no Brasil. Isso é um desafio e poucas (fazendas) fazem isso, porque é mais caro – quando o alimento é mais barato, quem paga somos nós, os países exportadores das commodities”, contou Isabel Figueiredo.

 

Soja e Desmatamento
A viagem segue para Paris, onde haverá coletiva de imprensa, nesta quinta-feira (14/03), sobre o lançamento do estudo sobre soja e desmatamento da Mighty Earth (aqui), e apresentação da urgência em relação aos impactos da conversão do Cerrado em pastagens e latifúndios de soja sobre os povos indígenas. Um estudo da Mighty Earth vinculou mais de meio milhão de hectares de desmatamento na Amazônia e no Cerrado com produtos de carne bovina produzidos por grandes frigoríficos.
Na capital francesa, a comitiva encontra o Senador Yannick Jadot, ex-CEO do Greenpeace França e candidato verde à presidência. Também participa de uma noite de apresentação do Cerrado no centro cultural Académie du Climat, com exposição de fotos, debates e degustação de comidas elaboradas com frutos cerratenses.
Em Bruxelas, capital da Bélgica e última etapa da viagem, o grupo terá reuniões no Ministério das Relações Exteriores, no Ministério do Meio Ambiente e no Parlamento Europeu. Em eventos na cidade, debaterá no painel “Realidades políticas no Brasil: o Cerrado sob ameaça”, e participará de eventos culturais de apresentação do bioma e da cultura do Cerrado.

 

ENTENDA
Atualmente, a EUDR reconhece o desmatamento apenas como a conversão de florestas, o que exclui de seu escopo vastas extensões de paisagens naturais, como savanas e campos. Essa exclusão representa uma contradição em relação aos objetivos da regulamentação, uma vez que a maior parte do desmatamento associado à produção de commodities destinadas ao mercado europeu ocorre em áreas não florestais, principalmente no Cerrado brasileiro.
No entanto, a atual legislação europeia só considera aptos de fiscalização produtos provenientes principalmente da Amazônia e da Mata Atlântica, deixando outros biomas vulneráveis à destruição.
Outro ponto relevante é que, sem a inclusão dos ecossistemas arbóreos não-florestais, a regulação europeia protege apenas 26% do Cerrado e deixa de cumprir o objetivo principal de eliminar o desmatamento dos produtos importados pelo bloco europeu. Isso porque a maior concentração de degradação ambiental nas commodities importadas pela Europa está associada à soja produzida no Cerrado, que contribuiu para o aumento de 35% do desmatamento nos últimos dois anos (16.437 km²).
“O Cerrado é o bioma mais impactado pelo consumo europeu, com destaque para o desmatamento causado pela soja e a pecuária bovina. E, por isso, acreditamos que a Comissão Europeia precisa realizar estudos de impacto e fazer uma revisão, o quanto antes, do escopo da regulação, ampliando para a inclusão dos ecossistemas não florestais”, afirma a coordenadora geral da Rede Cerrado, Lourdes Nascimento.
A APIB e a Rede Cerrado têm alertado para as brechas na regulação, que impedem a proteção efetiva dos Povos Indígenas e demais Povos e Comunidades Tradicionais dos biomas brasileiros. O aumento das medidas de preservação na Amazônia tem deslocado o desmatamento para o Cerrado, resultando em um aumento alarmante de 43% no desmatamento deste bioma em 2023, enquanto a Amazônia registrou uma queda de 50% no mesmo período.

 

Comitiva Apib, Rede Cerrado, ISPN e WWF, com ONGs ambientalistas holandesas, após reunião com o governo da Holanda.

REVISÃO DA EUDR
“Consideramos a regulação positiva e um avanço na adoção de sistemas de rastreabilidade na cadeia de produção das commodities, sendo um mecanismo adicional de proteção dos nossos biomas e de nossos direitos territoriais. Porém, caso a regulação não seja aplicada em igual medida a todos biomas (Cerrado, Caatinga, Pantanal, Pampas e Bioma Costeiro), teremos um efeito contrário ao esperado pela União Europeia, pois a EUDR irá contribuir para uma pressão ainda maior do desmatamento nos biomas não florestais, aumentando também a violência vivenciada nos territórios indígenas que não estão na Amazônia ou na Mata Atlântica”, explica Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Diante dessa urgência, a Apib e a Rede Cerrado, com a colaboração do ISPN e WWF-Brasil, chamam as autoridades europeias a considerar a grave situação do aumento de desmatamento no Cerrado e a revisar a regulação para incluir todos os biomas brasileiros. Proteger os biomas e os Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais é essencial para efetivamente reduzir o desmatamento e promover práticas sustentáveis.

 

A lei contra a importação de produtos de risco florestal foi proposta em 2012 e aprovada pelo Parlamento Europeu em 2023. Atualmente, a definição de floresta exclui vastas áreas dos biomas brasileiros, deixando-os desprotegidos.

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