Novos esportes e atletas tarimbados garantem melhor desempenho do Brasil nas Olimpíadas
A skatista Rayssa Leal, em 2017, e à esquerda, como Medalhista nas Olimpíadas do Japão
DANIEL E. DE CASTRO
FOLHA DE S. PAULO
TÓQUIO – Com recorde de medalhas (21), mesmo número de ouros (7) dos Jogos de 2016 e melhor posição da história no quadro geral (12º), a campanha brasileira nas Olimpíadas de Tóquio terminou de forma positiva.
Entender como se chegou a isso com menos investimentos e durante a pandemia da Covid-19, que em tese poderia atrapalhar especialmente o desempenho de um dos países que mais sofreram com a tragédia, é importante para que a evolução se perpetue nos próximos ciclos olímpicos.
O Brasil foi o segundo país a aumentar seu número de pódios (de 19 para 21) na edição seguinte após ter sediado os Jogos. A primeira foi a Grã-Bretanha, também com duas medalhas a mais no Rio do que em Londres-2012.
Tóquio-2020 distribuiu 11% a mais de pódios em comparação a cinco anos atrás. Para o Brasil, a entrada de surfe e skate no programa olímpico se confirmou como elemento fundamental para o resultado histórico. Mas a novidade não se caracterizou como dependência. Sem o ouro de Italo Ferreira e as pratas de Pedro Barros, Rayssa Leal e Kelvin Hoefler, a campanha não seria nem recordista nem um fracasso.
A mutabilidade do programa dos Jogos é parte de sua natureza. O COI (Comitê Olímpico Internacional) não opera alienado dos princípios econômicos, diplomáticos e geopolíticos. Assim, horários de disputas são alterados conforme os interesses das televisões; esportes estreiam para buscar novos públicos; provas entram, saem e sofrem mudanças ao gosto dos países-sedes ou daqueles que exercem influência naquela modalidade.
Falar apenas de skate e surfe ao analisar o desempenho brasileiro seria ignorar outras 17 conquistas. Nelas está visível o aumento do protagonismo das mulheres, com 9 das 21 medalhas (foram 5 em 2016), percentual inédito de 43%.
Em nível mundial, os investimentos demoraram a chegar ou ainda não chegaram da mesma forma para as categorias femininas. Quem faz a lição de casa e se preocupa com a equidade, ainda que de forma pragmática, tem mais espaço para evoluir. O COB tem batido nessa tecla e recentemente criou um departamento voltado ao esporte feminino.
Outro aspecto relevante para o desempenho do Brasil em Tóquio é que o país conseguiu confirmar suas principais apostas de medalhas, muitas delas com atletas tarimbados.
As velejadoras Martine e Kahena, o canoísta Isaquias Queiroz, o saltador Thiago Braz e a judoca Mayra Aguiar repetiram conquistas de 2016 —esta última também de 2012.
A ginasta Rebeca Andrade, outra aposta para o ciclo do Rio, brilhou agora, amadurecida e sem ser atrapalhada pelas lesões. Os nadadores Bruno Fratus e Ana Marcela Cunha, em sua terceira tentativa, enfim repetiram nos Jogos o desempenho que sempre os colocou como os melhores de suas modalidades.
Dessa lista saíram quatro ouros, uma prata e três bronzes.
Os atletas estreantes em Jogos tiveram contribuição acima da esperada. Entre os que já apareciam com favoritismo (além de skate e surfe), o barreirista Alison dos Santos e a pugilista Beatriz Ferreira honraram as expectativas. Também no boxe, Hebert Conceição foi além delas e Abner Teixeira ajudou a colocar o esporte na condição de principal responsável pelas medalhas brasileiras.
Outros estreantes, o nadador Fernando Scheffer e o judoca Daniel Cargnin são nomes de reconhecido talento, mas que ainda não haviam estourado. Entregaram o melhor no momento certo. Já a medalha de Luisa Stefani e Laura Pigossi no tênis entra para a categoria dos merecidos contos de fadas, a mais inesperada em Tóquio.
Por fim, futebol masculino e vôlei feminino —mais surpreendente, desta vez— cumpriram a cota das medalhas nos esportes coletivos tradicionais para o Brasil.
Outros potenciais candidatos ficaram abaixo das expectativas, o que é normal. Nas Olimpíadas, em qualquer país, trabalha-se para chegar com o maior número possível de chances e confirmar parte delas. O Brasil conseguiu ampliar e diversificar as suas e colheu o resultado.
As maiores decepções ficaram por conta do vôlei masculino e do vôlei de praia. A seleção de quadra entrou como campeã olímpica, vice-campeã mundial e campeã da Liga das Nações. Saiu sem medalha após uma campanha apática. Na areia, pela primeira vez na história o país terminou zerado. Desde 1996, eram no mínimo duas conquistas por edição.
O esporte olímpico brasileiro hoje é mais profissional e dá boas condições de treinamento para grande parte do topo da pirâmide. Mas ainda está muito longe de ser democrático e atingir seu potencial, como voltamos a repetir a cada quatro anos.
Massificar a prática esportiva, estruturar a formação, ter entidades e governos que trabalhem juntos não só na aplicação de verbas, mas na formulação de uma estratégia para o esporte. Enquanto esses objetivos distantes não virarem realidade, a evolução pode até acontecer, mas a passos curtos.