O GLOBO
RIO — Áudios enviados à família e a amigos pela técnica de enfermagem Lenilda Oliveira dos Santos, de 49 anos, durante a travessia do México para os Estados Unidos, mostram que, apesar do cansaço, da sede e da frustração por ter sucumbido às próprias limitações físicas nos quilômetros finais, ela mostrava confiança de que os companheiros de grupo, que a deixaram para trás, voltariam para socorrê-la de alguma forma. Nas gravações, obtidas com exclusividade pelo GLOBO, é possível notar que, enquanto espera socorro, Lenilda oscila momentos em que parece mais confiante e outros em que a voz, mais fraca, entrega que ela já estava à beira da exaustão. Ela foi encontrada morta esta semana pela polícia ao sul da cidade de Deming, no Novo México (EUA).
“Eu dormi aqui, não aguentei. Estou sozinha, mas eles estão vindo me buscar, pode ficar de boa”, informou ao irmão no último áudio que enviou por celular para ele, no dia 7 deste mês, um dia depois de ter sido abandonada.
Em outros momentos, para tranquilizar a família, ela ressaltava que faltava pouco para realizar seu sonho de chegar a solo americano. “Eu já estou chegando, já, faltando pouquinho para chegar e eu não aguentei (…) Mas estou bem, eles estão vindo me buscar”.
Lenilda dos Santos morreu de fome e sede na travessia da fronteira entre México e EUA: ‘uma das situações mais tristes que já vi’, diz policial.
Em uma gravação, o tom de Lenilda parece mudar, o que sugere que ela foi gradativamene perdendo a certeza de que o grupo voltaria para buscá-la. Ela fazia a travessia com outras três pessoas e um guia, conhecido como “coiote” entre ilegais que tentam atravessar a fronteira.
“Eu esperei até 11 horas, mas ninguém veio. Eu peguei e saí do lugar”, avisa. Desesperada e já mostrando estar desidratada, a técnica de enfermagem pede aos companheiros de grupo que levem água:
“Eu estou escondida. Manda ela trazer uma água para mim, porque não estou aguentando de sede”.
“Eu dormi aqui, não aguentei. Estou sozinha, mas eles estão vindo me buscar, pode ficar de boa”
Lenilda ainda insiste em tentar detalhar sua localização, mas também sem sucesso:
“Andei um pouquinho para trás, ele mandou eu parar”. Nesse momento, a família acredita que ela quis dizer que não voltou no percurso em busca de algum lugar teoricamente mais seguro justamente porque o coiote que liderava o grupo teria dito a ela que ficasse ali, parada, e o esperasse. O grupo não retornou para resgatá-la.